O STF, o STJ e o Novo Código Florestal
Aldo Rebelo*
"Eis que lhes dou todas as plantas que nascem em toda a terra e
produzem sementes, e todas as árvores que dão frutos com sementes. Elas
servirão de alimento para vocês" (Gênesis, I, 29).
O Supremo Tribunal Federal (STF) apreciará em breve dispositivos do Novo
Código Florestal, em ações de inconstitucionalidade ajuizadas pela
Procuradoria-Geral da República (PGR).
Da mesma forma, chegam ao Superior
Tribunal de Justiça (STJ) julgados dos Tribunais de Justiça originados de ações
do Ministério Público dos Estados. Não obstante as dúvidas do Ministério
Público, a Lei 12.651/2012 já reúne efeitos positivos para a natureza, a
agropecuária e o interesse nacional.
Os quatro anos de vigência da norma
ocorrem sem retrocessos ou ofensas à Constituição, que em seu artigo 23 orienta
o poder público a conciliar a proteção do meio ambiente, a preservação das
florestas, da fauna e da flora com o fomento da produção agropecuária e a
organização do abastecimento alimentar.
O Novo Código Florestal criou o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que
agregou, até 31 de junho último, 3,67 milhões de imóveis rurais, uma área de
383.453.328 hectares, ou 96,4% da área da agricultura e da pecuária do País. Já
17 Estados estão trabalhando em seus Programas de Recuperação Ambiental (PRA), como
define a lei.
Desde que o novo código entrou em vigor, o acompanhamento feito
pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) não revelou aumento nas
taxas de desmatamento no País. Na Conferência do Clima da ONU de 2015, em
Paris, a lei foi apresentada como trunfo do Brasil para o cumprimento de suas
metas climáticas, tanto por porta-vozes do governo federal quanto de
organizações não governamentais (ONGs).
Além de instrumento moderno de gestão territorial, o CAR está levando as
propriedades rurais para a legalidade. Depois de se inscrever no CAR e aderir
ao PRA, o produtor assina um termo de compromisso. E, portanto, em vez de
sanções administrativas, os agricultores são chamados a participar do esforço
de preservação, com exigência de prestação de serviços ambientais.
A nova legislação florestal é herdeira das melhores tradições jurídicas
de Portugal e do Brasil, desde as Ordenações Manuelinas e Filipinas à
independência do País, quando o patriarca José Bonifácio de Andrada e Silva
idealizou pela primeira vez o conceito de reserva legal.
Reúne hoje o consenso
de todo o governo federal, como testemunhou a audiência pública do STF
conduzida, em abril, pelo ministro Luiz Fux, relator das ações propostas pelo
Ministério Público. O Novo Código Florestal foi defendido na sua integridade
por representantes da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do
Ministério do Meio Ambiente e do Ibama.
Atuei como relator do novo código na comissão especial da Câmara dos
Deputados criada em 2009 para analisar os projetos de lei que propunham a
revisão do Código Florestal, cuja primeira versão data de 1934.
O esforço para
harmonizar essa legislação nos conduziu à realização de mais de 200 audiências
públicas e privadas. A comissão deteve-se demoradamente no exame do código,
ouvindo ambientalistas, agricultores, criadores, pesquisadores, ONGs, juristas
e gestores ambientais.
O extenso debate no Parlamento construiu amplo apoio político ao
projeto. Os principais partidos, do governo e da oposição, votaram
majoritariamente na proposta. A primeira versão do Novo Código Florestal foi
aprovada na Câmara por 410 votos contra 63; no Senado, por 59 a 7.
A lei constitui, portanto, o pacto possível para assegurar aos
produtores rurais a legalização de suas atividades com as respectivas garantias
de proteção do meio ambiente e da natureza. O novo código equilibra a atividade
produtiva, respeita o meio ambiente e oferece segurança social e jurídica a
milhões de pequenos produtores, em troca de serviços ambientais.
Especialmente o artigo 68 estabelece que as obrigações dos agricultores
fiquem submetidas à lei, ou seja, às exigências da época em que as propriedades
foram abertas. O camponês não poderá ser multado no século 21 pela remoção de
vegetação nativa da área rural feita no governo de Martim Afonso de Souza ou de
Duarte Coelho, no século 16.
Com efeito, a revogação de parte do código proposta pelas ações de
iniciativa do Ministério Público e de ONGs no STF, no STJ e nos Tribunais de
Justiça retira a eficácia da lei, depois de quatro anos de vigência, e anula
toda a segurança jurídica, social e ambiental construída até agora. Leis
estaduais já em vigor correm o risco de ser revogadas, prejudicando o trabalho
de cadastro já concluído de milhões de propriedades rurais.
Essas ações também ameaçam diretamente cerca de 4,6 milhões de pequenos
agricultores, que representam 89% dos estabelecimentos agropecuários e ocupam
11% do território nacional.
A troca de critérios objetivos para definir
pequenos produtores, como reivindicam, pode resultar no desaparecimento deles,
que contribuem com 50% para o valor da produção agropecuária nacional (Censo
2006). Diante da nova situação, milhões de pequenas propriedades não teriam
como sobreviver.
A agricultura e a pecuária são elementos fundadores da identidade
nacional. Ajudaram a formar a cultura, a música, a culinária, o idioma e a
psicologia do nosso povo.
Em meio às grandes dificuldades econômicas, a
agricultura e a pecuária seguem criando empregos, ampliando a riqueza do País e
assumindo imensa responsabilidade no equilíbrio da balança comercial do Brasil.
Os tribunais superiores certamente saberão julgar as dimensões
democráticas, sociais, culturais, econômicas e ambientais contidas na avançada
legislação florestal brasileira.
*Jornalista, foi ministro de Estado, presidente da Câmara dos Deputados
e re lator do Novo Código Florestal
Para entender melhor este problema leia o livro Psicose Ambientalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário