Não subestimem
Péricles Capanema
Vou começar pelo fim, a surpresa,
comum, vale mais que o conhecimento; este virá, a seu tempo. Não subestime,
fuja dos otimismos como da peste, não se deixe embeiçar pela (tantas vezes)
balela da pacificação.
Firme alianças com amigos, desista de conquistar
adversários, pelo menos parte deles. São como serpentes sopitadas pelo frio.
Esquente-as, ao recobrar movimentos, o que primeiro farão será picá-lo. Acabou
a introdução.
Veja isto. Em 5 de maio de 1789, os
Estados Gerais (ou Ordens) se reuniram em Versalhes. Cerca de 600 deputados do
povo (o Terceiro Estado ou Ordem, se quisermos), 300 da nobreza (Segundo
Estado) e 300 do clero (Primeiro Estado).
Em 17 de junho os deputados do
Terceiro Estado se rebelaram, declararam-se em Assembleia Nacional, exigiam a
Constituição. Em 24 de junho a grande maioria dos deputados do clero os apoiou.
No dia seguinte, 50 deputados da nobreza se uniram ao grupo, já majoritário. Em
27 de junho, Luiz XVI convidou seu “fiel Clero” e sua “fiel Nobreza” a se
juntar aos deputados do Terceiro Estado.
E então a Assembleia Nacional se
proclamou Assembleia Nacional Constituinte com o objetivo de dar à França uma
carta estável, garantidora de direitos, democrática, progressista. Os
acontecimentos se precipitaram rumo à revolução.
Poucos dias depois, 12 de
julho, os líderes revolucionários, açulados pelas vitórias, tendo como massa de
manobra agitadores exacerbados, foram até a fortaleza da Bastilha. Ali houve
combate. O governador, marquês de Launay, ordenou cessar fogo tranquilizado pela
promessa de que ele e seus soldados teriam a vida salva.
Acordo logo
descumprido, o marquês foi linchado e os revolucionários passearam com sua
cabeça fincada numa lança pelas ruas de Paris. Manhã de 14 de julho de 1789, a
Bastilha estava nas mãos dos insurrectos. Na tarde, o duque de Liancourt avisou
Luiz XVI, que perguntou apalermado: “É uma revolta? Respondeu o duque: “Não,
Majestade, uma revolução”.
O rei não levou a sério o duque. Às 18 horas,
ordenou às tropas, abandonar Paris. A monarquia caiu em 21 de setembro de 1792.
O monarca perdeu a vida, guilhotinado em 21 de janeiro de 1793. Sua mulher, a
rainha Maria Antonieta, teve a cabeça cortada em 16 de outubro de 1793. O
filho, seria Luiz XVII, de 1785, morreu na prisão, provavelmente em 1795. A filha
Maria Teresa, de 1778, conseguiu escapar, foi a duquesa de Angoulème, falecida
em 1851.
Constituições? Uma em 3 de setembro de 1791, outra em 24 de junho de
1793, uma terceira em 22 de agosto de 1795, a quarta foi de 13 de dezembro de
1799, logo a seguir outra de 2 de agosto de 1802, mais uma de 18 de maio de
1804. O Terror pelo meio.
Na França se consolidou a ditadura bonapartista, com
a sequela de guerras sem fim. Quantos perderam a vida nas matanças? Estimativas
variam, algumas chegam perto dos cinco milhões. Ah, faltou uma constituição, a
Constituição Civil do Clero, de 1790, que confiscou os bens imobiliários da
Igreja e tornou os sacerdotes funcionários do Estado.
Aqui começo à vera o
artigo. Na China, perguntado sobre as agitações de rua no Brasil, o presidente
Michel Temer deu o tom da resposta do governo: “São pequenos grupos, parece que
são grupos mínimos, né? As 40 pessoas que estão quebrando carro? Não tenho
numericamente, mas são 40, 50, 100 pessoas, nada mais do que isso.
Agora, no
conjunto de 204 milhões de brasileiros, acho que isso é inexpressivo”. A
seguir, em outro episódio, repete o amadorismo inconsequente. Cercado de ampla
publicidade entrou numa loja chinesa para comprar um par de sapatos. Gastou
aproximadamente R$389,00. Sentadinho satisfeito, só de camisa experimentando os
sapatos mostram fotos suas publicadas por toda parte na China e no Brasil.
A visita de Temer
àquele país teve entre os objetivos ampliar vendas de produtos made in
Brazil. Claro, reagiram consternados e
incrédulos os calçadistas brasileiros, impiedosamente atingidos pela
concorrência chinesa. DaAbicalçados recebeu um par de sapatos nacionais
grátis, "para que possa verificar a qualidade", disse seu presidente
Heitor Klein. Temer gastou ainda aproximadamente R$195,00 em um agrado para o
filho, um cachorro eletrônico. Desagrado igual na indústria de brinquedos.
Outras na mesma rota
que, não depende de mim, é incoercível, representam autodemolição. Em
estratégia para se aproximar dos movimentos sociais, o governo promoveu
reuniões com grupos ligados às questões da terra (MST e movimentos afins),
noticiou o Estadão. Eliseu Padilha, na Folha, afirmou que o governo ia separar
a luta política dos protestos.
Vamos à distinção artificiosa: luta política,
ouvidos moucos, coisa para os partidos da base aliada; protestos com pauta,
outra coisa. “Quando for protesto com uma pauta de reivindicação, como a reforma
agrária, vamos chamar estas pessoas para conversar no Palácio do Planalto,
ouvi-los e buscar uma negociação", afiançou Padilha.
Exemplo, a conversa
que teve e mais quatro ministros com representantes do MST. O governo comemorou
o fato: "Ficamos mais de três horas conversando com estas lideranças do
grito dos excluídos, e acertamos um encaminhamento de negociação". A reforma
agrária é um desastre, torra dinheiro público num misto de roubalheira,
incompetência e coletivismo.
Não melhora a situação da gente do campo, espanta
investimentos. Não tem importância, é xodó das esquerdas, tumor de estimação a
ser nutrido com cuidado. Até que intoxique o corpo inteiro. O gesto foi aceno
amigo para as lideranças extremadas abrigadas no MST, FNL, CUT, MTST.
Deus queira, vou repetir, que o futuro não
escancare, foram mais alguns episódios de tática suicida, no mínimo amadorismo
insensível às consequências, embaído pelo engodo da pacificação.
Outra. Michel Temer em 7 de setembro
tomou vaia de plateia muito próxima ao palanque oficial, isto é, estava ali
porque o governo lá a havia colocado. A colunista Eliane Cantanhêde procurou
verificar o fato estranho e encontrou explicação desconcertante:
“[As vaias]
partiram de 120 convidados da USP. O convite à universidade é tradicional, mas
o governo mudou, esqueceu de atualizar a lista de convites e instalou o inimigo
ao lado da tribuna de honra – onde estavam Temer e Marcela”. E exemplifiquei
com poucos fatos, a lista é grande.
Por que comento tais fatos? Treze anos
de PT arrebentaram o Brasil. O governo tem condições de restaurar parte do
estrago, já é muito, se parar de dar tiros no pé.
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