Índios ocupam prédio da Funai e mantêm administrador refém
Os índios armaram-se com arcos, flechas e burdunas (pedaços de madeira)
VANESSA LIMA
Os índios armaram-se com arcos, flechas e burdunas (pedaços de madeira)
VANESSA LIMA
Cerca de 200 índios contrários à demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol em área contínua invadiram na tarde de ontem a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) e fizeram refém Petrônio Laranjeira, administrador substituto do órgão.
Os indígenas são ligados à Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima (Sodiurr), que defende a convivência de índios e não-índios na reserva, além da permanência dos arrozeiros.
Há uma semana o grupo está acampado na Praça do Centro Cívico, pleiteando uma audiência com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que devem dar a palavra final em fevereiro quanto à legalidade da demarcação.
Eles chegaram ao prédio da Funai por volta das 15h30, em ônibus. Estavam armados com arcos, flechas e burdunas (pedaços de madeira). Ao tomar o prédio, eles esvaziaram as salas, mas mantiveram Laranjeira em cárcere privado por seis horas. A ideia era encarcerar o administrador Gonçalo Teixeira, que está de férias.
Logo que chegaram, os indígenas impuseram suas condições. Exigiram que o administrador substituto entrasse em contato com a presidência da Funai, em Brasília, e informasse a situação de invasão. Ao mesmo tempo, condicionaram a liberdade de Laranjeira a 60 passagens áreas com destino à Capital Federal.
“Estamos insatisfeitos com os votos dos ministros do Supremo. Só sairemos daqui [Funai] depois que recebermos nossas passagens. O nosso povo está sofrendo e estamos em busca dos nossos direitos”, disse o presidente da Sodiurr, o índio macuxi Sílvio da Silva, por telefone a servidores da Funai, em Brasília.
Com autorização dos índios, a imprensa entrou no prédio e conversou com Laranjeira. Tentando manter a tranquilidade, ele disse aos jornalistas e aos cerca de 30 índios que o vigiavam em sua sala - inclusive armados com arco e flecha – que a Funai não tem como atender ao pedido de imediato por uma questão orçamentária.
Cerca de 50 policiais atuaram na solução do caso
Aproximadamente uma hora depois da invasão, cerca de cinquenta policiais federais, entre agentes da Operação Upatakon III e da Superintendência Regional da PF e vinte soldados da Força Nacional de Segurança chegaram ao local. O Corpo de Bombeiro foi chamado para atuar em qualquer imprevisto. Havia viaturas do Resgate Urbano a Acidentados (RUA) e caminhões de busca e salvamento.
Os policiais portavam equipamentos letais e não letais e estavam com materiais de controle de distúrbio – capacetes, escudos e bastões. Eles isolaram o local, afastaram os curiosos e tentaram dialogar com os índios em vários momentos.
Os indígenas entoaram cânticos e danças tradicionais, fixaram faixas pedindo ao Governo Federal solução para o impasse e trouxeram caixões de madeira para lembrar a morte de crianças indígenas por falta de políticas públicas.
Impedidos de entrar no prédio, os responsáveis pela operação, os delegados Marco Ronquem e Nelson Kneip, em todo momento estabeleceram diálogo com os manifestantes. Informaram a eles que estavam cometendo crimes de invasão a prédio público e cárcere privado.
O delegado Ronquem foi autorizado a entrar no prédio para levar um remédio para o administrador substituto, que sofre de problemas cardíacos e passava mal. Aproveitando a presença do delegado, os indígenas redigiram um documento com todas suas reivindicações.
Depois de seis horas de negociação intensa, Petrônio Laranjeira foi liberado por volta das 22h, acompanhado de policiais. Emocionado, ele foi recebido por familiares e não quis falar com a imprensa. Ele aparentava cansaço e disse que estava se sentindo mal. Por estar com a pressão alta, o administrador substituto recebeu atendimento em uma ambulância do Resgate Urbano a Acidentados (RUA) e depois foi levado para o hospital.
Aflitos, familiares do administrador acompanharam a manifestação
Durante todo o tempo em que o administrador substituto esteve em cárcere privado, filhos, esposa e amigos de Petrônio Laranjeira acompanhavam as negociações entre a polícia e os índios para a sua liberação.
“Estamos muito preocupados com ele. Se pudéssemos, faríamos algo para conter essa invasão. Não entendemos, eles tiveram tanto tempo para resolver isso, porque só agora vão fazer essa invasão, só agora que vão querer fazer reféns para que suas vontades sejam atendidas?”, lamentou Fábio Barbosa, filho de Laranjeira.
OUTROS FATOS – Dois motoqueiros foram abordados ao tentar furar o bloqueio feito pela PF em torno da sede da Funai. O dono de uma das motos tinha placa fria e ao ser identificado como assaltante, foi preso pela Polícia Militar. O outro estava fugindo do bloqueio da PM quando se deparou com o isolamento da PF. O condutor foi levado para averiguação.
Índios mantêm invasão por prazo indeterminado
Mesmo com a liberação de Petrônio Laranjeira, os indígenas continuam ocupando parte do interior da Funai. A sede permanecerá fechada até o impasse ser resolvido.
De acordo com o superintende em exercício da Polícia Federal, Hebert Gasparine de Magalhães, que comandou as negociações, a operação foi considerada um sucesso.
“As negociações terminaram com a liberação do refém, não tem mais nenhum servidor da Funai no prédio. Mas as lideranças continuam no local e logo mais iremos recomeçar as negociações para tratar dessa permanência”, disse.
Ainda segundo informações, um documento foi redigido pelos indígenas onde constam pedidos de passagens e hospedagem em Brasília, além de audiências com o presidente do Supremo, o ministro Gilmar Mendes; com o ministro da Justiça Tarso Genro e com o presidente Luís Inácio Lula da Silva. A pauta foi encaminhada para a Casa Civil da Presidência da República e para a presidência da Funai.
Além dos pedidos feitos através do documento, Gasparine afirma que os manifestantes pedem apoio para que as reivindicações contrárias à demarcação em área contínua sejam levadas ao Supremo, alegando que apenas o Conselho Indígena de Roraima (Cir) é amparado pela Funai.
“Viemos para cobrar nossos direitos, fechamos aqui [Funai] para chamar a atenção porque isso era necessário. Estamos revoltados e não aceitamos essa demarcação. Foi feita uma negociação, e se não houvesse esse acordo não liberaríamos ele [Laranjeira]. Enquanto não houver a decisão para irmos até Brasília ficaremos na sede”, garantiu Sílvio da Silva.
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