A agricultura brasileira vai bem
Luciano de Souza Godoy (*)
O Brasil é hoje um dos principais atores mundiais na produção de soja, milho, café, etanol, carne bovina, algodão e frutas. Até vinho e espumantes são produzidos e exportados.
Os agricultores fazem seu papel, mesmo com condições adversas nos transportes para escoamento da produção, com esparsos e caros financiamentos e sem uma sustentável política de seguro agrícola para cobrir os prejuízos das intercorrências do clima.
Ao mesmo tempo, questionamentos ambientais trazem preocupação e intranquilidade em razão da insegurança na definição do marco regulatório ambiental da agricultura brasileira.
Qual a regra sobre reserva legal (RL) e área de preservação ambiental a ser observada? A legislação será novamente alterada? Quem não observou a lei terá anistia? Quem seguiu a norma e se enquadrou será prestigiado? São dúvidas e mais dúvidas nessa questão.
A atual legislação, consolidada no Código Florestal de 1965, é ultrapassada e desvinculada da realidade econômica do setor produtivo primário, mesmo já tendo sido alterada várias vezes nos últimos anos.
Determina a instalação e conversação de uma RL em cada propriedade rural, independentemente do seu tamanho, com área equivalente a 20% de sua extensão no Centro Sul do País, destacada no documento imobiliário e informada ao órgão ambiental do seu Estado.
A essa RL se somam as áreas de proteção permanente (APPs), como matas à beira de rios e nascentes, em encostas e topos de morros, por exemplo.
Os pequenos e médios proprietários rurais são castigados por um excessivo rigor burocrático dos órgãos ambientais e submetem-se a restrições desproporcionais à dimensão da sua gleba, muitas vezes sendo obrigados a recuperar e deixar inertes áreas destinadas no passado à produção agrícola.
Mesmo assim, não parece que o sistema seja eficiente para a preservação e conservação ambiental do bioma. Criam-se "pílulas" de preservação, isto é, áreas nativas desvinculadas umas das outras, sem integração, cada uma situada numa diferente propriedade rural.
Não vejo como esse sistema de "pílulas" possa atender ao elemento ambiental da função social da propriedade, princípio e norma previstos na Constituição da República.
A preservação ambiental aliada a uma produção agropecuária sustentável é o desejo de todos os que querem o desenvolvimento do País. De outro lado, é inaceitável a visão preconceituosa e radical para com os produtores rurais, em especial os pequenos e médios, que não tinham o conceito do ilícito ao explorarem economicamente as áreas hoje consideradas como RL e APP.
Não preservar a RL ou as APPs pode caracterizar crime, justificar a abertura de inquérito policial e ação penal. No interior de São Paulo, onde vivi e trabalhei por vários anos, constantemente a polícia e o Ministério Público intimam agricultores a se manifestarem sobre a preservação da RL e das APPs, em total falta de sintonia com a realidade econômica do setor produtivo primário.
Há uma indevida criminalização dos agricultores brasileiros, que durante anos exploraram suas terras trazendo emprego e progresso ao País, sem nunca terem sido informados sobre a ilicitude do fato.
O governo e o Parlamento brasileiros podem dar tranquilidade ao setor agrário, ou melhor, podem definir o marco regulatório ambiental da agricultura com bom senso, harmonizando os interesses do setor produtivo primário com a desejada preservação ambiental.
Essa definição trará um ambiente econômico estável para propiciar investimentos, elevação da produtividade, produção de riqueza e desenvolvimento para todos e para o País. Para que isso ocorra sugiro duas providências.
Primeiro, devem ser aprovadas as alterações do Código Florestal conforme o relatório do deputado Aldo Rebelo, já aprovado em agosto de 2010 na Comissão Especial. Entre as mudanças propostas, vejo como fundamental para os pequenos agricultores a aprovação da dispensa da constituição de RL em áreas consideradas pequenas propriedades rurais, com até 4 módulos fiscais, o que significa a isenção de RL para propriedade com até aproximadamente 80 hectares no Estado de São Paulo.
Também é importante a alteração do código para considerar incluídas na área de RL as APPs, como as matas ciliares e de encostas. Em alguns casos, somando ambas, chega-se a 50% e até 70% da área do imóvel como destinada à preservação total. As alterações mencionadas terminariam com a exigência de criação das mencionadas "pílulas" de preservação ambiental.
Não faz sentido desviar da geração de empregos e riqueza as terras férteis do interior de São Paulo, hoje produtivas e consolidadas como áreas de intensa produção agrícola. Levá-las à inércia em nome da preservação ambiental, criando-se "pílulas de preservação", é um contrassenso, um atentado à inteligência.
Em segundo lugar, as ações governamentais de incentivo à agricultura e de preservação ambiental do meio rural deveriam ser centralizadas num novo e único órgão, uma Agência Nacional de Política Agrária, autarquia federal a ser criada a partir da estrutura dos Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrária e de órgãos como o Incra e o Ibama.
Uma estrutura de fiscalização, normatização e regulação nos moldes das outras agências traria eficiência para estabelecer um novo marco regulatório ambiental do setor rural brasileiro. Há bons técnicos nos órgãos federais e estaduais de promoção da política agrária e da política ambiental.
Mas carecem de estrutura adequada e de uma legislação orgânica e sensata com vista à promoção da preservação ambiental nas propriedades rurais, valor importante e necessário, aliado ao aprimoramento da produção agropecuária, que abastece as cidades de alimentos e matéria-prima de origem vegetal ou animal.
Fonte: O Estado de S.Paulo
(*) PROFESSOR DE DIREITO DE PROPRIEDADE E DIREITO AGRÁRIO DA ESCOLA DE DIREITO DA FGV/SP, VISITING SCHOLAR PELA COLUMBIA LAW SCHOOL
Fonte: O Estado de S.Paulo
(*) PROFESSOR DE DIREITO DE PROPRIEDADE E DIREITO AGRÁRIO DA ESCOLA DE DIREITO DA FGV/SP, VISITING SCHOLAR PELA COLUMBIA LAW SCHOOL
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