domingo, 26 de agosto de 2012

A precária segurança alimentar





Momentos
Roberto Rodrigues

A fragilidade dos modelos de segurança alimentar implementados em todo o mundo ficou exposta pela dura seca que provocou uma quebra da safra norte americana de milho e soja, da ordem de 120 milhões de toneladas, equivalente à quase totalidade da safra brasileira destes dois produtos.

Internamente, o governo americano está às voltas com uma complicada questão: os setores que usam o milho para alimentação humana ou animal estão pressionando o governo para reduzir os incentivos à produção de etanol, que consome 40% da produção. Até a ONU, preocupada com o encarecimento dos alimentos, entrou nesta linha. 

Se o governo Obama aceitar as razões invocadas por estes setores, terá de importar combustível fóssil caro e poluente, com conseqüências negativas para toda a sociedade americana; se não aceitar, as carnes e lácteos ficarão mais caros, prejudicando os consumidores. 

Difícil dilema em um ano eleitoral muito disputado.

Por outro lado, os preços elevados de milho e soja estimulam produtores destes grãos no hemisfério Sul, que já se preparam para plantar grandes safras e aproveitar esta janela. 

Enquanto isso, os produtores de frango e suínos daqui, não conseguindo repassar seus aumentos de custos aos consumidores, reduzem a criação de pintos e leitões: lá na frente vai faltar. 

Estaremos, então, importando uma inflação sobre a qual não temos a menor responsabilidade, uma vez que produzimos o suficiente para nosso abastecimento e grandes sobras exportáveis.

Que lições tirar deste drama?

Em primeiro lugar, que a discussão sobre Segurança Alimentar é precária, porque centrada só em sua “perna” do abastecimento. Governos se preocupam com ela, porque é ela que dá votos: povo abastecido não cria problemas; mas se esquecem de que não há abastecimento sem a outra “perna”, a da produção. 

Esta nunca é olhada com a mesma atenção, sempre fica no ar a sensação de que “alguém” vai produzir o suficiente, e não é assim. Políticas públicas são necessárias para um setor tão sensível a um fator incontrolável como o clima.

Estoque de Segurança é outro tema delicado. Estoques deprimem preços, porque o mercado, sabendo de excedentes, não valoriza os produtos. Financiá-los é dever de governos e da governança global.

E finalmente, países como o nosso deveriam aproveitar este desastre e negociar um grande plano de longo prazo que nos permitisse avançar sobre os mercados com aumento de produção de carnes e etanol. 

Mas não apenas para aproveitar este ano de crise, e sim com um projeto estratégico que considerasse a sustentabilidade produtiva para mais de uma década.

Não parece que esta visão esteja presente entre nossos formuladores de políticas. Ao contrário. Em recente seminário no GVAgro sobre gestão territorial na agricultura brasileira, o pesquisador da Embrapa Evaristo Miranda afirmou: 

Nos últimos 15 anos, um número significativo de áreas foi destinado à proteção ambiental e ao uso territorial exclusivo de populações minoritárias. Parte dessas iniciativas foi feita sem o conhecimento de seu real alcance territorial. Hoje, as áreas protegidas abrangem 30% do Brasil. 

"E a área ambiental reivindica a proteção adicional de quase três milhões de km2. A demanda de novas terras indígenas é da ordem de 100 a150.000 km2. As demandas para atender toda a reforma agrária são da ordem de 2,3 milhões de km2. 

"Além disso, cerca de 5.000 comunidades quilombolas reivindicam aproximadamente 250.000 km2. Finalmente, a expansão agrícola nos próximos 20 anos também prevê a ocupação adicional de mais 100 a 150.000 km2.

"Sem discutir a legitimidade de nenhuma dessas demandas adicionais de terra, consideradas como excludentes, elas exigem cerca de 6 milhões de km2 e não cabem no Brasil. Ou serão amputadas de áreas agrícolas, como vem ocorrendo”.

Resolver estas questões faz parte de um programa amplo de avanço do nosso agro, e vivemos um momento muito oportuno para esta discussão.


Folha de São Paulo, 25/08/2012.

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