Barragem submersa garante água na seca
Engenheiro cria método que promove a irrigação e a regeneração do solo e
transforma sua fazenda em um laboratório vivo
Angela Lacerda, enviada especial - O Estado de S.Paulo
Na pior seca das últimas décadas, em pleno sertão do Pajeú, em
Pernambuco, a Fazenda Caroá, no município de Afogados da Ingazeira, a 390
quilômetros do Recife, não disputa carro-pipa. Na sua área, de 450
hectares, há água.
De boa qualidade e guardada no subsolo, a água pode ser coletada nos
"pontos de entrega", os bebedouros, distribuídos pela propriedade.
Intitulado de Conceito Base Zero, o método de armazenagem, que promove a
irrigação e regeneração do solo, foi criado pelo engenheiro José Artur Padilha,
um estudioso do semiárido e da natureza: são as barragens submersas em leitos
de rios secos.
Ele faz questão de frisar que nada criou, apenas "observou e
respeitou o comportamento da natureza na caatinga", que tem como
característica águas subterrâneas rasas e um elevado índice de evaporação.
A propriedade de Padilha funciona como um laboratório vivo - o
Laboratório Base Zero Fazenda Caroá. Depois de décadas de pesquisa, o
engenheiro chegou à essência do que buscava. "O aleijamento cultural nos
impede de perceber obviedades", afirma ele.
O "óbvio" percebido pelo engenheiro é simples, barato - em
relação a outras alternativas - e eficiente. Ele constrói barragens baixas, em
forma de arco romano deitado, utilizando apenas pedras - sem cimento ou
argamassa nem escavação para fundações - ao longo do leito seco. No período
chuvoso, a sucessão de barramentos absorve e retém a água, que fica acumulada,
a cerca de dez metros, no subsolo, para os períodos de estiagem. Os elementos
trazidos pelas correntes das águas da chuva - a exemplo de minerais e materiais
orgânicos - vedam os espaços entre as pedras e são decantados e sedimentados,
permitindo a regeneração da biodiversidade.
Com a tática, o solo se recompõe e a vida animal é preservada. Sapos,
abelhas e pássaros voltam a habitar a área. Nas terras que voltam a ser
férteis, torna-se possível praticar a agricultura familiar - aliada ou não à
criação de animais.
Na Fazenda Caroá, os bebedouros instalados no mesmo rumo dos barramentos
estão sempre cheios, oferecendo água sem necessidade de bombas ou cataventos
para puxá-la. A gravidade faz o serviço.
Ampliação
Padilha tem mapeadas 418 microbacias hidrográficas nos 17 municípios do
sertão do Pajéu. Mas ele assegura que o projeto pode ser replicado em todo o
Estado de Pernambuco, em todo o semiárido e até no Brasil inteiro. "Sem
exceção", assegura o engenheiro, que já comprovou o sucesso das barragens
submersas mesmo em áreas de caatinga totalmente planas.
A sua fazenda se localiza ao pé de uma serra, com parte do terreno em
área mais alta. "A lógica é a mesma, mas o modo de fazer é
personalizado", diz, ao observar que o ideal é construir as barragens em
período seco, preparando o solo para o ciclo chuvoso. Quem faz a experiência,
segundo ele, vê o resultado depois da primeira chuva. "É algo mágico, o
ambiente antes inóspito se torna produtivo", explica.
Padilha dispõe o método a quem se interessar e afirma que a tecnologia
pode ser repassada numa capacitação de menos de quatro horas - e até mesmo a
distância. Ele destaca que a evaporação no bioma caatinga é muito alta - média
de 2,5 mil milímetros - levando barreiros, barragens e açudes a uma redução
rápida da água armazenada.
"Não adianta brigar com o semiárido, qualquer coisa que se tente
alterar é insensato", defende o engenheiro, ao reiterar que a estiagem é
um fenômeno comum na região.
Padilha acredita em uma "revolução pacífica" para todo o
semiárido nordestino com a adoção do Conceito Base Zero dentro de um
planejamento de política pública. Ele observa que a mão de obra ociosa no
período seco poderia ser usada para trabalhar na construção das barragens e
sugere até um nome para a sua remuneração: "Bolsa Ecologia".
"Trata-se de uma questão fundamentalmente ecológica", avalia,
defendendo um desenvolvimento efetivamente sustentável e produtivo. Incluído na
Agenda 21 do Ministério do Meio Ambiente de 1999, o Conceito Base Zero nunca
foi adotado por nenhum governo.
Fonte: OESP, 21 de novembro de 2012 | 2h 05
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