Epitáfio de um General
Alexandre Garcia
Morreu na prisão o General
Jorge Rafael Videla, condenado na Argentina a duas prisões perpétuas. Cumpriu
só uma, pois não tem duas vidas. Se ainda tivesse, creio que faria tudo de
novo. Morreu com a consciência tranquila de quem cumpre com o dever.
Foi
condenado porque assumiu tudo que se atribuiu ao exército durante a guerra em
que foram derrotadas duas organizações que pretendiam estabelecer no país um
regime igual ao de Cuba.
Desde a morte dele, não li nos jornais nada que não
fosse a história escrita pelos derrotados. Testemunhei parte da história real
quando eu era correspondente do Jornal do Brasil em países do cone sul.
O que vou contar está no
livro que escrevi e que a Editora Globo lançou em 1990 e teve 12 edições,
inclusive com várias semanas na lista dos mais vendidos. Nenhuma revelação de
agora, portanto. Conheci o General Videla numa recepção na embaixada do Brasil,
em 1975.
Era general-de-brigada, sem comando, e, na conversa, disse que Brasil
e Argentina desperdiçavam energias com a rivalidade, já que o verdadeiro
inimigo estava dentro da Argentina, matando o povo para aterrorizá-lo e tomar o
poder, aproveitando-se do governo fraco da viúva de Perón. Católico praticante,
ía à missa com comunhão todos os dias. Foi carola até nos filhos: nove. Alto e
magro, tinha o apelido de pantera-cor-de-rosa.
Reencontrei-o um ano
depois, quando eu cobria o encontro de
exércitos das Américas, em Montevidéu. Ele já era comandante do Exército. E me
confidenciou: “Olhe, hoje há uma guerra interna na Argentina. Mas uma guerra
estranha, em que apenas um lado está lutando: o lado da guerrilha e dos
terroristas do ERP e dos Montoneros.
Em breve, eles dominarão a Argentina e o
Cone sul, se não houver uma reação. Vai ser preciso entrarmos nessa guerra. Vai
correr muito sangue. Pode ser o meu sangue ou de alguns de meus nove filhos.
Mas será preciso correr sangue, ou não teremos paz.”
Em 24 de março de 1976,
ele tirou a presidente fraca sob o aplauso da nação, entrou na guerra e venceu.
Ameaçado, 10 dias antes eu me mudara para Brasília, depois de ter sido
sequestrado pelos Montoneros - a extrema esquerda - e perseguido de morte pela
Triple A - a extrema direita. A partir de então, deixei de testemunhar os
acontecimentos na Argentina.
Agora leio as notícias da
morte de Videla. Dizem que morreu de hemorragia causada por uma queda na
prisão. E todas as notícias o responsabilizam por conduzir uma guerra suja.
Ora, a guerra suja já existia.
Uma bomba posta na lanchonete perto de meu
escritório na Calle Florida obrigou os bombeiros a lavarem com mangueiras o
sangue na rua. Metralhavam filas de ônibus para que o povo os respeitasse pelo
terror. Tinham metralhadoras antiaéreas tchecas no território liberado de Tucuman;
sequestravam e torturavam até a morte as suas vítimas.
Mantinham tribunais
revolucionários com execuções em seguida. Videla então entrou nessa guerra suja. E venceu. Não o perdoam
por ter impedido um regime totalitário marxista na Argentina. Quanto a guerra
suja, que guerra não é suja? Nem mesmo as dos exércitos do Papa. O lado aliado,
na II Guerra, não relata a sujeira, porque a história é escrita pelos
vencedores. Menos por estas bandas.
Fonte: http://diariodaamazonia
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