Exagero e desinformação
CELSO MING - O Estado de S.Paulo
O exagero também faz parte do processo de tomada de
consciência. O narigão de Pinóquio, as histórias infantis de bruxas cruéis e de
lobos maus, as caricaturas que saem todos os dias nos jornais, os amores
inconsequentes de dom Juan, os filmes de Tarantino, o mictório (a fonte) de
Duchamp - tudo isso e tanta coisa mais levam doses de exagero, cujo objetivo é
realçar verdades e empurrá-las para quem se recusa a vê-las.
Por isso, não fazem sentido críticas de gente do governo que
vê exagero e má vontade na revista The Economist quando, em matéria de capa
desta semana (veja reprodução), escracha as mazelas da economia brasileira. Ou,
como não gostou do que leu, a presidente Dilma tuitar que os editores da
Economist são "desinformados".
Independentemente do viés pedagógico, quem exagera mais: o
governo brasileiro ou a revista The Economist? Na semana passada, por exemplo,
a presidente Dilma, os ministros Guido Mantega e Fernando Pimentel e o
presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, assumiram o papel de caixeiros
viajantes e alardearam diante de potenciais investidores internacionais
qualidades pouco reconhecidas da economia brasileira.
Não foi lá muito sincera a presidente Dilma em Nova York,
quando afirmou que o governo brasileiro nunca desrespeitou contratos, quando,
no entanto, fez o que fez com as regras do setor elétrico, ou quando obrigou
governadores e prefeitos a cancelar aumentos de pedágio ou de tarifas de transporte
público previstos em contrato. Ou quando jura responsabilidade na administração
das contas públicas, mas transfere mais de R$ 400 bilhões (ou 9,0% do PIB) em
títulos do Tesouro para que o BNDES e a Caixa Econômica Federal deem cobertura
a programas dos quais o governo não consegue dar conta porque gasta demais. Ou
quando, apesar disso, esmerilha a credibilidade do Banco Central ao obrigar
seus dirigentes - e eles se prestam a isso - a apagar dos seus documentos a
afirmação de que a política fiscal do governo é expansionista.
Por acaso, não é verdade que o crescimento econômico do
Brasil é tão insustentável quanto voo de galinha? Que o governo brasileiro
investe apenas 1,5% do PIB em obras de infraestrutura, enquanto a média mundial
é de 3,8%? Que o estoque de infraestrutura no Brasil mal alcança 16%, quando
grandes economias apresentam até 71% do PIB?
Não é verdade que as obras públicas não decolam, que a
transposição do Rio São Francisco é um desperdício e não termina nunca, que a
construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, começou em 2007 orçada em
R$ 2,5 bilhões, até agora não terminou, já está em R$ 17 bilhões e não se sabe
onde vai parar?
Não é verdade que a carga tributária atinge até 58% dos
salários? Não é verdade que o governo exige que a Petrobrás invista US$ 236
bilhões em quatro anos e, por puro populismo, desidrata seu caixa com
achatamento das tarifas de combustíveis que, de quebra, esmagam com dumpings o
setor do etanol?
É por coisas assim que ficou mais difícil convencer os
investidores a apostar no futuro do Brasil. Ou seria isso exagero e
desinformação?
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