... diz produtor e presidente da Aprosoja
Os conflitos entre índios
e produtores rurais, em Mato Grosso do Sul, têm gerado posições e
reivindicações de ambos os lados. Nesta entrevista, o produtor rural e
presidente da Aprosoja/MS, Almir Dalpasquale traça um panorama – do ponto de
vista de sua classe – sobre a situação. Ele fala sobre a organização dos
produtores em relação às invasões de propriedades rurais, esclarece o assunto
“milícias”, aborda a compra de áreas por parte do governo federal e mostra a
insegurança gerada pela ação dos indígenas.
CORREIO PERGUNTA –
Recentes conflitos, inclusive com uma morte, mostram que a solução do problema
de terras envolvendo indígenas e produtores rurais ainda não é realidade. E que
os produtores querem criar milícias para proteger suas terras, tendo um leilão
marcado para arrecadar fundos para formá-las. Isso significa que se esgotaram
todas as possibilidades de diálogo?
ALMIR DALPASQUALE –
Conceituar a movimentação dos produtores rurais como formação de milícia merece
alguns esclarecimentos. Estamos falando de invasões de propriedades
praticamente em série no nosso Estado. São 80, algumas delas invadidas há mais
de uma década. E falamos também da ameaça de novas invasões. Proteger seu
patrimônio contra esses atos criminosos é um direito legítimo do produtor rural.
A primeira violência é a invasão da propriedade privada. E considerar apenas
uma morte resultante deste conflito reflete uma visão unilateral. Temos três
policiais militares assassinados por indígenas no Estado, e o governador (André
Puccinelli) cobrou do Ministro da Justiça (José Eduardo Cardozo), na semana
passada, em audiência pública no Senado, Justiça para esses homens. E em abril
deste ano um pequeno produtor rural foi torturado e assassinado e as imagens
dessa tortura e do pedido de clemência desse produtor estão na internet, para
quem quiser ver. E há outros aspectos que também não aparecem: vandalismo e
depredação de propriedades privadas com incêndios criminosos, desaparecimento
de animais, roubo de máquinas e implementos, que se tornaram prática
corriqueira no Estado. Diante de um quadro escancarado de violência como esse,
não tem sentido falar de milícias.
Alguns produtores acharam
exagero o termo “milícia privada”, outros, não. O senhor acha que o dinheiro do
leilão marcado para o dia 7 de dezembro tem essa finalidade mesmo, a de
contratar empresa de segurança para proteger as propriedades rurais?
O dinheiro a ser
arrecadado será aplicado em ações na defesa e proteção dos produtores atingidos
por invasões. Se houver necessidade, a contratação de segurança, porque não? Se
você perceber sua casa ameaçada e sabendo que o poder público não vai garantir
sua segurança, não contrataria uma equipe de segurança? Qual o crime em buscar
proteção contra uma ameaça explícita. Como condenar alguém que vai defender seu
patrimônio, sua vida e da sua família de uma ameaça anunciada? Condenável seria
admitir essa sequência de crimes sem se defender.
Pelas contas da Famasul,
hoje pelo menos 80 fazendas estão ocupadas por índios no Estado. Cálculos da
Acrissul indicam que para os fazendeiros deixarem a área seria preciso R$ 560
milhões. O senhor não acha dinheiro demais?
Indenizar as 80
propriedades rurais que permanecem invadidas não soluciona o problema. A
intenção da Funai em transformar em terras indígenas é muito superior às
propriedades que estão invadidas. Só na expansão da terra indígena Porto Lindo,
tratada como Ivikatu, no município de Japorã, são 13 propriedades invadidas,
mas a pretensão da Funai é demarcar atingindo mais de 30 propriedades. Em Iguatemi
temos uma propriedade invadida e também mais de 30 propriedades afetadas pela
declaração da Iguatemi-Peguá I. Se a intenção do governo brasileiro de resolver
os problemas for atender aos caprichos da Funai, faltam bilhões no orçamento
para resolver os litígios de terras. E isso só em Mato Grosso do Sul, não
estamos nem falando dos outros estados.
Índios e produtores rurais
brigam por domínios de terras com maior frequência desde 1990, acha que isso
acaba um dia?
Em 1988, o Brasil possuía
14,3 milhões de hectares demarcados como terras indígenas. Pela Constituição
Federal, caberia à Funai regularizar as áreas ocupadas tradicionalmente por
indígenas. No entanto, o que a Funai fez nas últimas décadas foi criar novas
terras indígenas sem qualquer oposição. Pelo levantamento do IBGE em 2006, ou
seja, 18 anos depois, o Brasil já possuía 125 milhões de hectares demarcados,
quase nove vezes a área demarcada em 1988. E de 2006 para cá, a Funai continua
insaciável nas demarcações. Nós perguntamos: isso vai acabar um dia?
Os produtores sempre
contam com o apoio do governo estadual, da bancada federal, deputados estaduais
e até dos vereadores de Campo Grande. Então, por que as negociações emperram,
acha que está faltando o quê?
Todas as tentativas de
solução esbarram na omissão do governo federal. A origem da insegurança é a
insistência da Funai em tratar a falta de uma política pública social de
atendimento aos povos indígenas como se fosse um problema meramente fundiário.
E com isso, acoberta a responsabilidade do poder público, colocando produtores
rurais ou indígenas um contra o outro, quando na verdade ambos são atingidos
pela falta de atuação do governo federal. O debate não evolui porque o governo
federal não só é o responsável pelo problema como também é o único que pode
resolvê-lo.
Alguns produtores alegam
que o índio não sabe trabalhar a terra e que o Estado perderia economicamente
se as terras fossem tiradas dos produtores. O senhor pensa assim também?
Não estamos nos referindo
apenas a um problema de disputa de terras. A questão indígena é um problema
social, é a falta de políticas públicas específicas, que atendam a necessidade
de autonomia e garantam a dignidade dessas comunidades, preservando suas
tradições. E simplesmente aumentar a área das aldeias não vai resolver o
problema, temos exemplos disso dentro e fora do Estado. A reserva Kadwéu, por
exemplo, tem uma extensão de 373 mil hectares para um grupo de apenas cerca de
dois mil indígenas e eles estão na penúria. Raposa Serra do Sol está lá para
quem quiser ver: a mídia nacional tem retratado, produtores que antes ocupavam
a área e indígenas que agora lá estão vivem na miséria. Resolveu o problema?
Não, e ainda criaram-se outros problemas.
Os produtores contam hoje
com a ajuda de sindicatos rurais, Famasul, políticos, Acrissul e, de outro
lado, o índio tem a Funai para defendê-lo. A Funai é duramente criticada pelos
fazendeiros. Acha que a Funai atrapalha nas negociações?
Essa correlação de forças
distorce a realidade. Se de um lado o produtor tem seus mecanismos de apoio,
fica vulnerável diante das invasões e do vácuo gerado pela falta de atuação dos
poderes constituídos. Essa declarada violência parece ter encontrado aceitação
e não podemos aceitar a violência das invasões. Não há nada que justifique nenhum
tipo de violência. Se de um lado temos indígenas desassistidos, de outro lado
temos o trabalhador rural, que vive do seu suor e trabalho, desrespeitado. Se
for pela linha do politicamente correto, o produtor rural merece o mesmo
tratamento. Não se trata de uma relação de opressor e oprimido. Tanto produtor
quanto indígena são vítimas nessa relação. Se há alguma fatura, ela não pode
ser paga nem pelo produtor rural, nem pelo indígena.
A esfera federal se
manifesta quando os ânimos estão acirrados, mas nada de concreto e conclusivo
aparece para resolver a situação. A que o senhor atribui esta falta de pulso
por parte deles para a solução do problema?
À falta de vontade,
unicamente. Na semana passada tivemos uma audiência pública no Senado Federal
para tratar das questões indígenas no País. Assim como tivemos outras tantas
antes, várias visitas de ministros ao Estado e um sem fim de promessas que já ouvimos.
Hoje temos produtores, parlamentares, governo do estado e lideranças indígenas,
todos se empenhando por uma solução.
Quais são as orientações
que os produtores rurais recebem por parte de associações e federações que os
representam a respeito dos conflitos?
A orientação é que o
produtor rural defenda seus direitos. Até agora, sempre buscamos os caminhos
legais, porque precisamos confiar na Justiça brasileira. A orientação sempre
foi essa e por conta disso foi evitado um conflito maior. No entanto, a permanência
de invasores em mais de 80 propriedades e o descumprimento das reintegrações de
posse tem criado um sentimento de injustiça e impunidade, o que gera
inconformidade por parte dos produtores. E isso fortalece a necessidade de
proteção de seu patrimônio. Que orientação dar para uma pessoa que se sente
violada e ameaçada dentro da sua própria casa? O produtor vive da terra e
ameaçar essa terra também é ameaçar sua vida e integridade.
Qual é o clima no qual
produtores rurais, suas famílias e funcionários vivem no dia a dia na
propriedade rural? Há orientações de defesa e ataque?
Vamos fazer uma
comparação: você está em sua casa ou apartamento, uma propriedade sobre a qual
tem documentação de legalidade inquestionável. De repente, chega uma pessoa e diz
que aquele local pertenceu, num tempo remoto, a alguém da família dela e ordena
que você se retire imediatamente, sem direito a retirar nem sequer seus
pertences. Essa pessoa toma conta da sua casa e você vai ficar na rua. Você
chama a polícia e ela vem pra defender o invasor. Qual é o clima gerado por
essa situação? Essa é a realidade do que acontece e que muitas vezes chega
distorcida para o homem urbano. E qualquer atitude do produtor rural em sua
defesa é retratada como ataque. Uma inversão total, porque qualquer cidadão tem
o direito de se defender.
Fonte: http://www.correiodoestado.com.br/noticias/nao-podemos-aceitar-violencia-das-invasoes-diz-produtor-e-p_201060/
Nenhum comentário:
Postar um comentário