Agricultura, a Coreia brasileira
Ignez Vidigal Lopes e Mauro de Rezende Lopes
Os recordes nas exportações da Agricultura brasileira fazem lembrar o
desenvolvimento industrial da Coreia do Sul e, guardadas as devidas proporções,
seguem uma mudança estrutural baseada em ciência, tecnologia e inovação -
fatores-chave por trás do sucesso alcançado em ambos os casos.
Nosso setor
agroexportador é hoje reconhecido por sua indiscutível capacidade de competirem
mercados frequentados por nações na fronteira do conhecimento e da pesquisa.
Mercê de investimentos em pesquisa, a agropecuária brasileira foi bem-sucedida
em montar um sistema de inovação capaz até mesmo de sustentar o crescimento do
PIB brasileiro.
O avanço tecnológico permitiu ao País voltar sua vista para a exportação de
alimentos: o Brasil transformou-se em nação agroexportadora de primeira
grandeza.
Contribuíram para o desempenho da agropecuária a orientação dos
produtores e investidores em direção a projetos com escala técnica e econômica,
além de uma força de trabalho altamente qualificada.
A Coreia revelou sua
vocação de nação desenvolvida nesses mesmos pilares: exportações, escalas
econômicas e técnicas de suas empresas e quadros profissionais de grande
competência.
O desenvolvimento da Coreia e o da Agricultura brasileira têm em comum um traço
distintivo: o investimento em tecnologia de ponta, iniciado nos anos 1970 e
1980. O sucesso, em ambos os casos, deve-se a mercados internacionais ávidos
por alimentos e produtos industriais de alta tecnologia.
Do lado da demanda, os
estímulos vieram da concorrência internacional, que exerceu forte pressão em
favor do desenvolvimento de uma musculatura competitiva, anabolizada por
ciência e tecnologia (C&T).
Do lado da oferta, empresas privadas, em ambos os casos, responderam aos
estímulos de mercado, em que a concorrência recompensa menores custos e maior
tecnologia. A essência do sucesso era a resposta rápida da oferta às mudanças
nas condições de competição com os países mais tecnologicamente avançados.
Na Coreia e na Agricultura do Brasil, pesquisadores e cientistas responderam à
demanda por produtos com tecnologia competitiva e inovação em nível global. Por
trás de todo esse desempenho estavam recursos humanos altamente treinados na
produção científica.
A Embrapa tem hoje 2.400 pesquisadores - 2 mil com
doutorado distribuídos em mais de 30 centros nacionais. Os governos, nos dois
casos, contribuíram para projetos de inteligência competitiva de forma
decisiva.
Contudo o "milagre" foi feito pelo setor privado. A Coreia
e a Agricultura brasileira, quanto mais competiam nos mercados externos, mais
investiam em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e em inovação.
Com isso a fatia dos dois países aumentou nos mercados mundiais. As exportações
passaram de produtos de baixa e média tecnologia para produtos de alta
tecnologia: na Coreia, na tecnologia eletrônica e no Brasil, na genética de
plantas e animais. O Brasil hoje é bem mais do que simplesmente um país
exportador de produtos intensivos em recursos naturais.
A Coreia montou indústrias intensivas em capital e tecnologia nos ramos da indústria
de máquinas e de produtos químicos, no início, e, depois, nas indústrias de
semicondutores, monitores de cristal líquido, componentes eletrônicos e
equipamentos de telecomunicação.
A agropecuária brasileira desenvolveu as
tecnologias de produção de grãos, cereais, fibras e oleaginosas, além da
pecuária, em condições de disputar mercados com outras nações agroexportadoras.
Os avanços mais notáveis da pesquisa foram a tropicalização de plantas e
bovinos, a transformação de solos pobres em férteis e a recuperação dos solos
com calcário e fertilizantes de alta resposta na produção. Com esses solos e
com tecnologia,os produtores dominaram os cultivos nos Cerrados.
Em todos esses avanços houve a participação da Embrapa, que liderou
organizações estaduais de pesquisas e fundações privadas de pesquisa
Agropecuária. A empresa tem indisputável liderança institucional, de hardware e
bramwarey em C&T no Brasil. Assim, foi decisiva para levar o Brasil à
liderança na produção de alimentos para o próprio País e para o mundo.
Tanto quanto a Coreia nas suas indústrias líderes, a agropecuária brasileira
tem uma força de trabalho com elevado nível de capacitação tecnológica e
altamente treinada em métodos sofisticados de plantio e colheita - na
Agricultura de precisão, por exemplo.
A Coreia passou por três fases: 1) nos anos 1960 e 1970 a tônica foi
a promoção da tecnologia; 2) nos anos 80 e 90, a ênfase foi
desenvolver a capacidade de P&D; 3) dos anos 90 até hoje foram feitos
investimentos em C&T e sistemas de inovação.
Tanto quanto na Coreia, na
agropecuária brasileira o papel dos governos nos avanços da ciência, tecnologia
e inovação foi decisivo. A Coreia organizou seus centros de P&D registrados
na Associação Coreana de Tecnologia Industrial.
A Embrapa, guardadas as devidas
proporções, também se organizou em 47 centros de pesquisa, concentrando
recursos, perseguindo sem desconti-nuidade um modelo de inovação tecnológica
induzida por estímulos de mercado desde os anos 1970 até hoje.
A Coreia tem na indústria um desenvolvimento emblemático. Seguindo os mesmos
passos, o Brasil é hoje o país líder no domínio da tecnologia para a
Agricultura tropical. O caminho do desenvolvimento é conhecido. Trilhá-lo
requer persistência e continuidade.
O apoio indireto do governo é importante,
mas é o mercado, reagindo à concorrência, induzindo a inovação, que assegura
êxito no mundo globalizado. Os demais setores da economia, a indústria em
particular, têm muito que aprender com a trajetória da pesquisa na Agricultura
- o único caminho para sustentação da competitividade no longo prazo.
OESP, 15 de abril de 2014
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