Custódia,
não: inferno
A realidade das unidades de Franco da
Rocha, na Grande São Paulo, e de Taubaté, no interior, descrita no livro
Hospital de custódia: prisão em tratamento, que traz o resultado de uma
fiscalização do Conselho Regional de Medicina do Estado (Cremesp), não é
surpreendente. É aterradora.
O desmazelo que os fiscais encontraram nos hospitais
em que são internados condenados por crimes portadores de transtornos mentais
não poderia diferir do inferno das prisões nem das condições dos hospitais
públicos em geral, e dos psiquiátricos em particular.
Então, não é
surpreendente. Mas a descrição do que foi encontrado choca pelo cenário de
descuido e inadequação das instalações às funções a que se destinam, o que
revela insensibilidade e incompetência da gestão pública.
Conforme reportagem de Fabiana
Gambicroli publicada no Estado (14/4), "entre os principais problemas
apontados pelo Cremesp estão a péssima estrutura física e a ausência de um
tratamento adequado para os internos. Na maioria das unidades, a limpeza era
quase inexistente.
Havia restos de comida embaixo das camas, quartos com urina
e fezes e cheiro forte de fumaça de cigarro nos ambientes em que os pacientes
dormiam". Embora a inspeção se tenha limitado a três unidades, seria
ingenuidade imaginar que o cenário é muito diferente nas outras. Para dizer o
mínimo, esta é a rotina da grande maioria dos 1.070 pacientes que sofrem de
transtornos mentais e cometeram crimes.
A fiscalização, feita de maio a julho
de 2013, constatou que esses "hospitais de custódia" se limitam a
medicar os pacientes. Nas unidades faltavam psiquiatras, psicólogos,
farmacêuticos e terapeutas ocupacionais.
"Nenhuma das unidades apresentou
laudo de Vigilância Sanitária nem do Corpo de Bombeiros", contou o
psiquiatra forense Quirino Cordeiro, do Cremesp, um dos coordenadores da
fiscalização. Numa das unidades visitadas havia apenas 28 dos 72 profissionais
de saúde necessários. "Na maioria dos locais, no período da noite não há
médico plantonista.
Muitas vezes os agentes de segurança penitenciários fazem o
papel de farmacêuticos ou de auxiliares de enfermagem", disse Cordeiro.
Segundo ele, não há tratamento individualizado. Por isso, os remédios são
aplicados, muitas vezes, "em doses mais elevadas".
A principal consequência desse
descalabro é a completa inadequação dos hospitais para suas funções de tratar
os pacientes que lhes são enviados para que possam voltar à vida normal.
"Esses pacientes, quando cometeram crimes, estavam doentes, não tiveram
dolo nem culpa e por isso não receberam uma pena, mas, sim, uma medida de
segurança para que possam ser tratados.
Só que, sem esse tratamento, o quadro
deles só piora e eles acabam condenados à prisão perpétua, já que, sendo
tratados dessa forma, nunca estarão aptos a retornar ao convívio social",
disse o psiquiatra Mauro Aranha de Lima, vice-presidente do Cremesp. De acordo
com o Código Penal, o paciente em medida de segurança, caso de tais internados,
deveria de ser avaliado de novo após um ano por um perito.
Internações por um período acima do
necessário criaram um problema a mais além dos descritos na fiscalização: a
falta de vagas nos hospitais de custódia. Segundo o juiz-corregedor dessas
instituições, Paulo Eduardo de Almeida Sorci, "hoje temos 500 pessoas
presas em penitenciárias aguardando vagas nos hospitais". Ou seja: o
tratamento inadequado aumenta a lotação dos hospitais e também contribui para
superlotar os presídios.
Os portadores de transtornos mentais
internados em instituições penais por crimes são uma faceta cruel do pouco-caso
de certos gestores públicos para assuntos graves.
Esquecidos de que podem
administrar de maneira eficiente os parcos recursos orçamentários, tais
gestores não ligam para essas instituições que exigem atenções especiais e
verbas adequadas para sua manutenção.
O relatório da fiscalização do Cremesp
nos hospitais de custódia paulistas é o trágico retrato de uma realidade cruel
que a administração pública nem sequer se interessa em resolver.
Fonte: O Estado de S.Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário