CNBB
defende reforma agrária em
36% do
território brasileiro (por enquanto)
Brasília — Há muita coisa errada na agricultura brasileira na opinião
da Igreja Católica, a começar pelo agronegócio, que seria um péssimo modelo de
desenvolvimento ao concentrar riquezas e tornar o país um exportador de
produtos primários.
No documento A Igreja
e a questão agrária brasileira no início do século XXI, a CNBB defende, entre outras coisas, as ocupações
de terra, a destinação de mais de um terço do território brasileiro para a
reforma agrária e uma emenda constitucional que estabeleça um limite para o tamanho
da propriedade rural.
Sobram críticas ao governo, que estaria sendo omisso e
inerte para resolver os problemas do campo; e ao agronegócio, que estaria indo contra a vontade e o desígnio de Deus,
além de ser uma ameaça ao meio ambiente e à segurança alimentar.
O documento da CNBB foi publicado em maio deste ano. Nele, a entidade diz que 310 milhões de hectares,
dos 851 milhões que compõem o Brasil, foram aparentemente grilados ou cercados
por pessoas que não são donas deles. Ou seja, 36,4% do território brasileiro
deveriam ser destinados à reforma agrária.
O documento diz ainda que é “necessário
fortalecer a resistência contra todas as formas de violência que atingem a vida
dos trabalhadores e suas famílias”, entre eles os despejos ilegítimos, “mesmo
quando aparentemente legais”, e as arbitrariedades dos órgãos de segurança
pública.
Segundo a CNBB, as ocupações
são uma forma legítima de pressão e a reforma agrária é a única resposta de
fato eficaz e possível a isso, sendo “urgente, necessária e inadiável”.
O agronegócio é mencionado 22
vezes no texto, sempre numa abordagem negativa. Segundo a Igreja, houve, no século XXI, “recrudescimento
das tendências excludentes da modernização agropecuária”, seguindo os “ditames
da concentração do capital e do dinheiro no campo”.
Segundo a CNBB, isso é acompanhado pelo aumento do conflito agrário, “alimentado
pela omissão tácita ou explícita dos organismos governamentais encarregados da
política fundiária (Incra, Ibama, Instituto Chico Mendes e Funai)”. Os
quatro órgãos citados fazem parte da esfera federal.
Para a Igreja, o
agronegócio seria inclusive contra os desejos de Deus. “Na doutrina social
da Igreja, o processo de concentração da
terra é julgado um escândalo, porque em
nítido contraste com a vontade e o desígnio salvífico de Deus, enquanto
nega a grande parte da humanidade o benefício dos frutos da terra.
O agronegócio em desenvolvimento no Brasil
não só reforça esta dimensão absolutista da propriedade em detrimento da sua
função social, mas destrói a possibilidade de se ter um adequado espaço e
equilíbrio nas decisões políticas de desenvolvimento, no que se refere aos
pequenos produtores rurais e familiares”, diz o documento.
Condenação de transgênicos
Entre os problemas identificados pela CNBB no campo está o
uso de sementes transgênicas. Além da preocupação com os riscos à saúde humana,
a Igreja diz temer o “cartel das grandes empresas controladoras dos grãos”, que
ameaça a soberania e a segurança alimentar do povo e cria uma relação de
dependência por parte dos produtores rurais.
Outro problema, na opinião da
CNBB, são os biocombustíveis que, em vez
de avanço, representariam na verdade uma ameaça ao meio ambiente por exigir
muitas terras para sua produção. Há
ainda críticas ao uso de agrotóxicos pelo agronegócio.
A CNBB pede também a atualização, pelo poder Executivo, dos índices de
produtividade, que estariam baseados ainda nos dados do censo agropecuário de
1975. Aumentando o índice, mais
terras seriam consideradas improdutivas e estariam aptas para a reforma agrária.
A igreja defende ainda que os crimes de
trabalho escravo e de assassinato em conflitos entre grandes e pequenos
agricultores sejam julgados em âmbito federal, “distante das pressões de
pessoas e grupos locais e estaduais”.
Procurado, o Ministério da Agricultura informou que “não
trata de questões agrícolas”, o que seria uma atribuição do Ministério do
Desenvolvimento Agrário. O ministério, por sua vez, disse apenas que não
recebeu oficialmente o documento da CNBB.
A
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), principal entidade do
agronegócio, não deu retorno.
André de Souza in O Globo, 24/8/2014
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