Acabou
a exigência de
Reserva Legal?
Evaristo Eduardo de Miranda
Sim. Grande parte dos produtores rurais em todo o
Brasil pode proceder à regularização ambiental de seus imóveis mesmo sem
possuir áreas destinadas à Reserva Legal, sobretudo nas regiões no Sul,
Sudeste, Nordeste e Centro Oeste.
A necessidade
efetiva de possuir a Reserva Legal deve ser o primeiro assunto examinado pelo
proprietário, antes mesmo de pensar em se inscrever no
Cadastro Rural Ambiental, o CAR. Além do tratamento privilegiado para áreas com
até quatro módulos fiscais (4,6 milhões de casos e 88% dos imóveis existentes),
o novo Código Florestal, a Lei 12.651/2012, eliminou a exigência de
recomposição, compensação ou regeneração da Reserva Legal quando o desmatamento
ocorreu em conformidade com a lei de seu tempo.
Em seu art. 12,
a Lei 12.651 estabelece que todo imóvel rural deve manter área com
cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal, mas excetua
os casos previstos em seu artigo 68. E oart. 68 é claríssimo: “Os
proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de
vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela
legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão são dispensados de
promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais
exigidos nesta Lei”.
Quais eram as
leis vigentes nas diferentes datas em que ocorreram desmatamentos na
agricultura brasileira? O assunto não é tão complexo como parece. Ele deveria
compor as explicações das Secretarias Estaduais de Meio Ambiente ao orientarem
os produtores quanto à regularização ambiental e ao preenchimento do CAR.
Deveria. Não está sendo assim.
O caso mais
simples é o dos imóveis em áreas de cerrados. Quem ocupou os cerrados até julho
de 1989, mesmo que tenha desmatado integralmente seu imóvel, está desobrigado
da exigência da reserva legal. Até essa data só havia exigência de Reserva
Legal em formações florestais. A Lei 7.803, de 18.07.1989, ao alterar o Código
Florestal, acresceu o parágrafo 3º ao art. 16 do Código Florestal de 1965, como
segue: “Aplica-se às áreas de cerrado a reserva legal de 20% para todos os
efeitos de lei”. Ou seja: exigência legal nova, que não existia antes.
Ora, grande
parte da expansão da cana-de-açúcar em S. Paulo, entre os anos 80 e 90,
ocorreu em cerrados. Basta ao produtor documentar sua situação
histórica e, pelos termos da própria lei, estará desobrigado de cadastrar no
CAR uma área de Reserva Legal em seu imóvel.
Já nas
florestas, existem três grandes situações em termos de legislação: antes de
1934, de 1934 a 2000 e de 2000 até o novo Código Florestal.
A primeira
legislação efetiva sobre percentuais de preservação florestal data dos anos 30,
o chamado Código Florestal de 1934, destinado a regulamentar “florestas
existentes no território nacional”. Quem desmatou antes dessa data está
“isento” da Reserva Legal. E são muitos casos e regiões de ocupação secular,
principalmente ao longo do século XIX.
Na vigência do
Decreto 23.793, de 1934 a 1965, permitia-se a derrubada de três
quartas partes das terras cobertas de matas; impunha-se a preservação de 25% de
tais matas; incluíam-se, nesse percentual a ser resguardado, as áreas de
preservação permanente; a base de cálculo para o que se haveria de preservar
eram as matas existentes, e não a área total do imóvel.
Em 1965, a situação
foi alterada pela Lei 4.771. Seu art. 16 dizia: “nas regiões Leste Meridional,
Sul e Centro-Oeste, esta na parte sul, as derrubadas de florestas nativas,
primitivas ou regeneradas, só serão permitidas, desde que seja, em qualquer
caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com
cobertura arbórea localizada, a critério da autoridade competente”.
Em resumo, de 1965
a 2000 impôs-se a preservação de 20% da área da propriedade com cobertura
arbórea localizada; a base de cálculo para incidência do percentual a ser
preservado, mais uma vez, era a área da propriedade com cobertura arbórea, e
não toda e qualquer área do imóvel.
Em 2000, com a
Medida Provisória 1.956-50, em redação repetida por aquelas que se lhe seguiram
até a MP 2.166, modificou-se o teor do art. 16 do Código Florestal de 1965.
Além das florestas e das áreas de cerrado anteriormente protegidas, ampliou-se
o conceito de reserva florestal legal para abranger também as outras formas de
vegetação nativa.
Contudo essas
exigências não são retroativas. A obrigação de preservar os cerrados foi
instituída pela Lei 7.803 de 1989, e a de resguardar as outras formas de
vegetação nativa foi introduzida pela Medida Provisória 2.166 de 2000. O mesmo
vale para as florestas com suas legislações pertinentes. A base de cálculo
passou a ser um percentual em relação à área do imóvel, apenas com o Código
Florestal de 2012. Qualquer das exigências de Reserva Legal deve ser observada
apenas e sempre em relação ao futuro. Ninguém pode se comportar no presente
prevendo uma legislação futura.
Para fazer
retroagir esses dispositivos, o Ministério Público moveu ações judiciais contra
produtores rurais em todo o país, acolhidas, em parte, em instâncias do
Judiciário. Diante desse questionamento, a Sociedade Rural Brasileira (SRB),
apresentou junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 4.495 questionando se o art. 44 do Código Florestal
de 1965, trazia a obrigação de recompor, compensar ou regenerar a Reserva Legal
a todos os proprietários.
Diante da nova
Lei Florestal, o Ministro relator Marco Aurélio de Melo, em 26.08.2013,
reconheceu a perda de objeto da ADI 4.495. Não apenas pela revogação da lei
questionada, mas também pela assimilação dos argumentos da SRB na ação pelo
art. 68 da nova lei: “A Lei nº 4.771, de 1965, com alterações posteriores, foi
revogada pela Lei nº 12.651, de 2012, vindo o artigo 68 dela constante
a regular a matéria no sentido buscado pela requerente.” Essa manifestação
do Ministro relator do STF reiterou aos poderes públicos a necessidade de
respeito aos desmatamentos legais ocorridos com a observância da legislação da
época da supressão.
A exegese do
novo Código, tal como proposta por secretarias de meio ambiente e até por
consultores e juristas da área rural, parece ignorar a existência do art. 68 do
novo Código Florestal. Na orientação de como preencher o CAR, ele deveria ser o
primeiro tópico considerado, mas às vezes nem aparece. Isso vai desorientar os
produtores e levá-los a cumprir com ônus e exigências ambientais indevidas. Por
que os secretários estaduais de agricultura não atuam nesse tema com a área
ambiental?
Em todos os
casos, os fatos históricos, os documentos existentes – em particular fotos
aéreas, imagens orbitais, mapas etc. – trabalhados com geotecnologias e métodos
de gestão territorial, permitem de forma inequívoca atestar o desmatamento em
conformidade com a lei do tempo.
Analisar em
bases técnicas a situação da Reserva Legal em cada imóvel rural e os vários
cenários e possibilidades em cada caso interessa a milhões de produtores. Mais
do que apressá-los a se inscreverem no CAR, é urgente orientá-los sobre como
avaliar a regularização ambiental de seus imóveis.
BOX – RESERVA LEGAL
Além de reiterar
a legalidade da supressão da vegetação natural em conformidade com a legislação
do tempo em que ocorreu, o atual Código traz outras determinações relevantes no
caso da Reserva Legal:
1 – Dispensa a
obrigação de sua averbação no Cartório de Registro de Imóveis, determinando o
dever do “registro da Reserva Legal no CAR”;
2 – Considera
como Reserva Legal a vegetação nativa porventura existente no
imóvel em 22.07.2008, seja qual for esse percentual, nos imóveis rurais com até
quatro módulos fiscais;
3 – Define
várias formas de recompor a Reserva Legal, admite o plantio associado de
espécies exóticas em até 50%, além da regeneração natural;
4 – Admite o
cômputo das Áreas de Preservação Permanente no porcentual de Reserva Legal
exigido, em cada bioma;
5 – Aprova a
exploração para autoconsumo, sem burocracia, e até o uso comercial da Reserva
Legal.
Publicado em:
MIRANDA,
Evaristo Eduardo de; COSTA, J. M. Acabou a exigência de reserva legal?
Agroanalysis (FGV), v. 34, p. 29-30, 2014.
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