Encontro Mundial de
Movimentos Populares no Vaticano
Tentativa
de ressuscitar grupos revolucionários?
Nelson
Ramos Barretto
Roma – A convite do
Pontifício Conselho de Justiça e Paz e da Pontifícia Academia das Ciências
Sociais, com o decidido apoio do Papa Francisco, líderes dos assim chamados
Movimentos Populares dos cinco continentes se reuniram nos dias 27 a 29 de outubro, em Roma,
para três dias de debates sobre três temas apresentados como fundamentais:
terra, moradia e trabalho.
“O Papa Francisco não se
esqueceu de nós”, declarou um dos organizadores do evento, de clara
tendência marxista, o argentino Juan Grabois, responsável pela Confederação dos
Trabalhadores da Economia Popular. “Jorge
Bergoglio nos acompanhou por anos no processo de organização dos recicladores,
camponeses, vendedores ambulantes, artesãos e herdeiros da crise provocada pelo
capitalismo neoliberal”, acrescentou Grabois.
Os temas em debate no dia 27 foram: desigualdade e exclusão social,
dignidade humana e meio ambiente. A conclusão dos trabalhos do dia foi feito
pelo líder do Movimento dos Sem-Terra (MST), também marxista, João Pedro
Stédile.
No dia seguinte, terça-feira, no Vaticano, na antiga Sala do Sínodo, houve
o encontro com o Papa Francisco, estando presente o presidente boliviano (e
bolivariano) Evo Morales, que participou do evento na qualidade de
ex-representante dos movimentos populares.
De passagem por Roma, a Agência Boa Imprensa (ABIM), pediu-me para
acompanhar esse importante evento, especialmente o segundo dia dele realizado
no Vaticano. O programa da manhã, que contou com a presença do Papa, foi
fechado para a imprensa. Com isso, as informações para o grande público foram
filtradas pelos comunicados oficiais, o que é aliás, habitual nas reuniões dos movimentos
populares, que têm lá seus segredos revolucionários.
Longa
preparação e estranho silêncio
Segundo a Agência
Fides, o Papa Francisco encorajou os presentes a "construir uma Igreja
pobre e para os pobres". No mesmo despacho, Fides informa que mais de 100
leigos, líderes de grupos sociais, 30 bispos engajados com as realidades e os
movimentos sociais em seus países (leia-se bispos de esquerda), e cerca de 50
agentes pastorais, além de alguns membros da Cúria romana, participaram do
Encontro Mundial dos Movimentos Populares.
Esse congresso mundial foi preparado em menos de um ano. Em dezembro de
2013, quando houve a primeira reunião de alguns líderes como João Pedro Stédile
do MST e Juan Grabois no Vaticano, foi anunciada a preparação de um Encontro
internacional para outubro de 2014. (vide Catolicismo, março/2014 – Reverente e Filial Mensagem). Depois do
Encontro de dezembro de 2013 em Roma, não se publicou mais nada.
Movimentos
revolucionários
Quando se analisa o rol dos movimentos convidados e representados no Encontro,
causa perplexidade a lista de crimes, invasões e depredações imputadas a estes
movimentos na sua luta revolucionária para a implantação do socialismo.
O que teria motivado o Vaticano na escolha desses movimentos
revolucionários dos mais radicais que manipulam as classes populares para a
revolta e a implantação do comunismo? Por que entidades sérias que se dedicam a
ajudar os pobres não foram convidadas? Por que esse preconceito contra as
entidades classificadas de “assistencialistas”?
A pauta do encontro:
como eliminar o capitalismo
O segundo dia do Encontro realizado no Vaticano foi o mais importante.
Para facilitar a exposição começaremos pela sessão da tarde para depois
tratarmos do discurso do Papa proferido no período da manhã.
O local
escolhido foi a antiga sala do Sínodo. Pobre, despojada e sem reboco, com os
tijolinhos aparentes, ela está localizada na parte mais medieval do Palácio
Apostólico, não possuindo por isso o fausto barroco-renascentista dos andares
superiores. A primeira parte
da sessão foi presidida pela Dra. Margareth Archer, Presidente da Pontifícia Academia de Ciências Sociais, e
a segunda pelo cardeal Turkson, Prefeito do Pontifício Conselho de Justiça
e Paz.
A palavra de ordem que mais se podia ouvir entre os expositores e
debatedores foi “derrubar o capitalismo”, classificado como um regime opressor.
Evo Morales, presidente da Bolívia, começou propondo eliminar o capitalismo em
que tudo é mercantilizado. Condenou a “invasão” europeia de 520 anos no
continente americano. Pediu o fim do bloqueio comercial de Cuba, contudo, sem
nenhuma palavra de reprovação à férrea ditadura comunista imposta àquela
infeliz nação.
Era difícil imaginar que uma reunião de líderes revolucionários
comunistas e filocomunistas pudesse se realizar dentro do Vaticano. Enfim, todos
agradeciam o apoio do Pontífice. Um representante africano chegou a até a perguntar
“se agora não seria o momento ideal de
derrubar o capitalismo?”
Depois da Dra. Margaretth Archer e do Pe. Michael Czerny, SJ falou Juan Grabois, soi-disant líder dos recicladores da Argentina. Este, após elogiar
as palavras do Papa dirigidas aos presentes, relembrou o pedido de Francisco de
que os movimentos superassem seus conflitos de ideias, tivessem uma visão
global do movimento e iniciassem sem perda de tempo o processo de luta
revolucionária.
As palavras de Francisco despertam perplexidade
Na
antiga sala do Sínodo, o Papa Francisco exortou os presentes: “Continuem
com a vossa luta, caros irmãos e irmãs, faz bem a todos nós”. Segundo matéria de Gian Guido Vecchi, do
diário italiano “Corriere della Sera”, nunca se tinha visto um Papa
diante de 150 pessoas de 80 países representando os “movimentos
populares” do mundo inteiro para uma conferência sobre “Terra, teto e trabalho,
as últimas chagas do planeta”.
Com efeito,
Francisco serviu-se da linguagem utilizada por socialistas utópicos que
apregoam um paraíso nesta terra onde apenas os bens materiais são levados em
conta: “Vamos repetir juntos do fundo do coração: nenhuma família sem-teto!
Nenhum camponês sem-terra! Nenhum trabalhador sem direitos! Nenhuma pessoa sem
a dignidade que dá o trabalho”.
Reconhecendo
que suas palavras poderiam causar estranheza pelo seu sentido inequívoco, o
Papa tentou defender-se da acusação de comunista: “Terra, teto e trabalho. É estranho, mas se eu falo disso, o Papa é um comunista”, afirmou ele. “Não se compreende que o amor pelos pobres é o centro do
Evangelho. Terra, casa e trabalho, aquilo para
o qual vocês lutam, são direitos sagrados. Exigir tais coisas, de fato, não
é algo estranho, é a doutrina social da Igreja”.
A cena sem
precedentes de um Papa que repete chavões da luta de classe socialista deixou
muitos setores católicos perplexos, como se vê, por exemplo, nos comentários do
leitor Alceir, do site “Frates in unum”: “Ao
longo de dois mil anos tudo que a Igreja fez foi dar de comer a quem tem fome,
vestir quem está nu e instruir os ignorantes. Os primeiros hospitais e
sanatórios do mundo foram criados pela Igreja. As primeiras universidades do
mundo foram criadas pela Igreja. De dentro do povo católico nasceram as Santas
Casas de Misericórdia".
E prossegue: "A
Igreja forjou a santidade de homens e mulheres extraordinários como São
Francisco de Assis, São Vicente de Paula, São Martinho de Tours, São Bernardo
de Claraval. Santos que renunciaram ao mundo para abraçar a causa de Cristo e o
serviço aos pobres e doentes. Com o regime de suserania e vassalagem a Igreja
amparou e protegeu o camponês que deixou de ser um mero escravo do senhor de
terras para ser um servo da gleba que, embora preso a um pacto de vassalagem,
era livre para ter seus bens e seus animais. Em todos esses tempos a Igreja
nunca pregou o conceito de ‘luta’ como método para fazer ‘justiça social’”.
Amor de Cristo pelos pobres
A “Teologia da Libertação” confunde deliberadamente o amor pelos pobres de
Nosso Senhor Jesus Cristo e depois praticado pela Igreja e pelos santos durante
dois mil anos com a luta de classes marxista. De um lado, a Igreja segue o
preceito evangélico ao dar de comer a quem tem fome, vestir a quem está nu e ao
instruir os ignorantes. Do outro, o comunismo implantou um regime tirânico,
opressor, igualitário e usurpador do direito de propriedade, regime que só
gerou fome e miséria.
Outra passagem que causa perplexidade é afirmar que o amor aos pobres é o centro do
Evangelho. Esta é uma distorção feita pela Teologia da Libertação, para a qual
pobres só existem no sentido material e terreno, quando a Redenção operada por
Nosso Senhor Jesus Cristo consiste em salvar eternamente os “pobres pecadores”,
que somos todos nós, ricos e pobres.
Condenação do
comunismo
A livre circulação dos erros da “Teologia da Libertação” nos ambientes católicos
só foi possível porque as advertências de Nossa Senhora em Fátima contra o
comunismo foram esquecidas ou mesmo repudiadas. No livro “Um caminho sob o olhar de Maria” publicado pelo Carmelo de Coimbra em
outubro de 2013 com uma biografia da vidente Irmã Lúcia, figura sua exortação sobre
a urgência da revelação em 1960, comunicada pela Virgem Santíssima, da terceira
parte do segredo.
Isso deveria ser feito para frear a expansão do comunismo. Infelizmente,
também, o Concílio Vaticano II não atendeu ao apelo de 440 bispos para que se
condenasse o comunismo, e não fez qualquer menção ao comunismo. E a infiltração
comunista na Igreja foi tremenda e continua na atualidade a sua devastação nos meios
católicos.
Papa Francisco e a utopia igualitária
Segundo “Corriere della Sera”, no discurso do Papa
aparecem os traços de uma nova “Encíclica social”: “Enfrentar o escândalo da pobreza ‘não é uma ideologia’, diz Francisco,
tem tudo a ver com a ‘solidariedade’ que, ‘em sentido profundo’ significa ‘fazer
história’ e ‘lutar contra as causas estruturais da desigualdade’, fazer frente ‘aos
efeitos destrutivos do império do dinheiro’. Os pobres ‘não esperam de braços
cruzados a ajuda de ONGs ou planos assistenciais’. E propõe: ‘Ponham os pés na
lama e as mãos na carne. Tenham cheiro de bairro, de povo, de luta’.
“Assim o Papa dispara
sobre as falhas de ‘um sistema econômico centrado no deus do dinheiro’, da ‘grilagem’,
da ‘pilhagem da natureza’, do ‘crime’ da fome, da miséria daqueles que estão
nas ruas e são chamados de ‘sem-teto’, o ‘excedente’ da mão de obra. ‘Em geral,
por trás de um eufemismo há um delito’”.
Sem embargo, nem uma palavra sobre a trágica situação dos pobres em
Cuba, na Coreia do Norte ou na antiga União Soviética!
Revitalizar as
democracias rumo aos conselhos bolivarianos?
“O Papa Francisco
rejeita as ‘estratégias’ para ‘cativar’ os pobres e o assistencialismo. Os Movimentos ‘expressam a necessidade urgente de
revitalizar as nossas democracias'". Que novas formas de participação
serão estas?
Uma das
possibilidades parece ser a criação dos conselhos populares, conforme o decreto
8.243 do governo da presidente Dilma Rousseff, um eufemismo para se adotar a
ditadura dos sovietes. Felizmente, há
no Congresso forte reação para derrubar esse decreto.
Resultado do
encontro
Não
só no Brasil, mas também na América Latina, os movimentos inspirados pela a
Teologia da Libertação carecem de apoio popular. Eles só não desapareceram
porque ainda contam com apoio de governos esquerdistas e, sobretudo, da
esquerda católica.
Esse encontro, que causou perplexidades pelo fato de o Papa apoiar e estimular tais movimentos, parece ter sido o grito de desespero dos seus líderes em busca de um apoio do Vaticano à falta de sustentação das bases católicas. Estas discernem na pregação da luta de classes a velha e fracassada meta de implantar o regime da igualdade sonhada pelo comunismo.
*Trecho da Cartilha do MST com o pensamento João Pedro Stedile:
“Os dirigentes possuem um sonho revolucionário que é construir sobre os
escombros do capitalismo uma sociedade socialista. Muitas vezes as aspirações
dos dirigentes não são as mesmas da massa. Nesse caso é preciso desenvolver um
trabalho ideológico para fazer com que as aspirações da massa adquiram caráter
político e revolucionário”.
______________ BOX ______________
Reflexão a respeito da “Teologia da Libertação”
Em entrevista para a “TV Gazeta”*, Plinio Corrêa de
Oliveira analisou os diversos matizes da “Teologia da Libertação” que arrastam
para posições cada vez mais radicais. Para o lúcido e combativo líder católico,
a “Teologia da Libertação” é uma corrente
ideológica que se compõe de vários filões, como acontece quase sempre com as
correntes fortemente revolucionárias, fortemente tendentes ao estabelecimento
da igualdade completa entre os homens.
Quer
dizer, eles têm uma vanguarda que reivindica tudo quanto há de mais extremo
nessa matéria. Depois eles têm uma retaguarda doutrinaria de matizes
sucessivos, dos quais cada um é menos categórico do que outro. Não que seja
mais moderado, mas é menos claro. De modo que, no extremo oposto do matiz mais
categórico, a dosagem revolucionária é tão insensível que não se sabe bem o que
é.
Avança
primeiro, na opinião pública, o elemento aparentemente mais moderado, mais
confuso, e com algumas ideias assim vagas, pelas quais parte do público tem
alguma simpatia. E depois, por um processo de destilação, os elementos
confiscados por essa corrente confusa, aparentemente moderada, vão sendo
passados sucessivamente para posições mais radicais, até dar na radical de
todo.
Vista na
sua corrente mais radical, aquela que especificamente foi objeto de censura da
Santa Sé, vista nessa corrente, a “Teologia da Libertação” se reduz ao
seguinte: se trata de pessoas que querem estabelecer uma reforma no sentido de
implantar a igualdade completa entre todos os homens.
Abolição de todas as
classes sociais, e um regime totalmente, e utopicamente, igualitário. Essas
pessoas apresentam Nosso Senhor Jesus Cristo como tendo sido, não o Homem-Deus —
e o Homem-Deus dotado de bondade e sabedoria infinitas, que o Evangelho nos
descreve — mas figuram Nosso Senhor Jesus Cristo como tendo sido um
revolucionário, um desordeiro, um mazorqueiro, do tempo em que ele viveu.
Mazorqueiro e desordeiro contra a dominação romana, que a “Teologia da
Libertação” apresenta como aliada das elites judaicas, para opressão do povo.
Uma
acusação mais ou menos parecida com a que a “Teologia da Libertação” faz ao
sistema sul-americano. Assim se sustenta, na “Teologia da Libertação”, que não
tem autenticidade a hierarquia social na América do Sul, e que esta se apoia no
capitalismo internacional, dominado pelos norte-americanos.
Para
justificar uma aparência de apoio à posição deles, de uma revolução na América
do Sul, eles montam este mito, deformando gravemente a realidade. A partir
dessa deformação, a “Teologia da Libertação” procura então arrastar a opinião
católica, na América do Sul.
Como essa
figura de Nosso Senhor Jesus Cristo, que a “Teologia da Libertação” apresenta,
é muito flagrantemente contrária ao que a doutrina católica ensina — religião
seguida pela grande maioria dos brasileiros — essa gente afirma ora uma parte
disso, outros afirmam tudo, outros não afirmam nada disso, mas também não
afirmam o contrário disso.
Então
essa máquina de sucção para a extrema-esquerda funciona de modo a levar todo
mundo para os erros censurados pela Santa Sé.
___________
(Entrevista
do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira à “TV Gazeta”, levada ao ar em 14 de
dezembro de 1988, reapresentada naquela TV no dia 19 do mesmo mês e ano, e
publicada em Catolicismo, edição Nº
457, janeiro/1989).
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