Documento
do Papa Francisco sobre mudanças climáticas indignará negadores e igrejas dos
EUA
Pontífice espera lançá-lo na reunião da ONU em Paris, em
dezembro do próximo ano, após visitar as Filipinas e Nova York
John Vidal
“The Observer”, 27 dezembro de 2014
Ele
tem sido chamado de “Papa superman”, e seria difícil negar que o Papa Francisco
teve um bom dezembro.
Citado pelo presidente Barack Obama como um jogador
fundamental nas relações de descongelamento entre os EUA e Cuba, o pontífice
argentino prosseguiu, palestrando a seus cardeais sobre a necessidade de limpar
a política do Vaticano.
Mas poderá Francisco alcançar um feito que tem escapado
aos poderes seculares e inspirar uma ação decisiva sobre as alterações
climáticas?
Parece
que ele terá uma chance. Em 2015, o Papa vai publicar uma longa mensagem sobre
o assunto para os 1,2 bilhão de católicos do mundo, fazer um discurso na
Assembléia Geral da ONU e convocar uma reunião de cúpula das principais
religiões do mundo.
A razão para tal atividade frenética, diz o bispo
Marcelo Sorondo, chanceler da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano, é o
desejo do Papa de influenciar diretamente a crucial reunião climática da ONU do
próximo ano em Paris, quando os países tentarão concluir 20 anos de negociações
tensas com um compromisso universal para reduzir as emissões.
“Nossos acadêmicos apoiaram a iniciativa do Papa de
influenciar decisões cruciais do próximo ano”, declarou Sorondo à agência
católica de desenvolvimento Cafod, em uma reunião em Londres.
“A ideia é
convocar uma reunião com os líderes das principais religiões para tornar todas
as pessoas cientes do estado do nosso clima e a tragédia da exclusão social.”
Após
visitar em março Tacloban, cidade filipina devastada em 2012 pelo tufão Haiyan,
o Papa vai publicar uma rara encíclica sobre as mudanças climáticas e a
ecologia humana.
Exortando todos os católicos a tomarem medidas por razões
morais e científicas, o documento será enviado aos 5.000 bispos e 400 mil
sacerdotes católicos de todo o mundo, que irão distribuí-lo aos paroquianos.
De acordo com informantes do Vaticano, Francisco vai
se encontrar com outros líderes religiosos e lobistas políticos em setembro, na
Assembléia Geral em Nova York, quando os países subscreverão novas metas de
combate à pobreza e ambientais.
Nos últimos meses, o Papa defendeu um novo sistema
financeiro e econômico radical para evitar a desigualdade humana e a devastação
ecológica. Em outubro, ele disse em uma reunião de camponeses sem terra da
América Latina e da Ásia, e de outros movimentos sociais:
“Um sistema econômico
centrado no deus do dinheiro precisa saquear a natureza para sustentar o ritmo
frenético de consumo que lhe é inerente.
“O sistema continua inalterado, uma vez que o que
domina são as dinâmicas de uma economia e de uma finança carentes de ética. Não
é mais o homem que manda, mas o dinheiro. Quem manda é o dinheiro efetivo.
“A monopolização das terras, o desmatamento, a
apropriação da água, agrotóxicos inadequados são alguns dos males que arrancam
o homem da terra em que nasceu. As alterações climáticas, a perda de
biodiversidade e o desmatamento já estão mostrando seus efeitos devastadores
nos grandes cataclismos que assistimos”, disse ele.
Em Lima, no mês passado, os bispos de todos os
continentes expressaram sua frustração pelas negociações estagnadas sobre o
clima e, pela primeira vez, pediram aos países ricos para agir.
Sorondo, um companheiro argentino conhecido por ser
próximo do Papa Francisco, disse: “Assim como a humanidade enfrentou uma
mudança revolucionária no século XIX, no tempo da industrialização, hoje nós
mudamos muito o ambiente natural.
Se as tendências atuais continuarem, o século
vai testemunhar uma mudança climática sem precedentes e a destruição do
ecossistema, com trágicas consequências.”
Neil Thorns, chefe de advocacia da Cafod, disse: “A
expectativa em torno da próxima encíclica do Papa Francisco é sem precedentes.
Vimos milhares de nossos apoiadores se comprometerem a convencer seus deputados
que a mudança climática está afetando as comunidades mais pobres.”
No entanto, o radicalismo ambiental de Francisco é
susceptível de atrair a resistência dos conservadores do Vaticano e dos
círculos de direita da Igreja, particularmente nos EUA, onde os céticos
católicos do clima também incluem John Boehner, líder republicano da Câmara dos
Deputados, e Rick Santorum, ex-candidato
presidencial republicano.
O cardeal George Pell, ex-arcebispo de Sydney, que
foi posto no comando do orçamento do Vaticano, é um cético da mudança climática
que tem sido criticado por afirmar que o aquecimento global cessou, e que se o
dióxido de carbono na atmosfera fosse duplicado, “as plantas iriam adorar”
Dan Misleh, diretor da Convenção do clima católico, disse: "Haverá sempre 5-10% das
pessoas que vão se ofender (sic). Elas são muito ruidosas e têm influência política.
Esta encíclica vai ameaçar algumas pessoas e trazer alegria a outras. Os
argumentos são em torno de economia e ciência, em vez de moralidade.
“Uma encíclica papal é rara. Está entre os mais
altos níveis da autoridade de um Papa. Terá 50 a 60 páginas; é uma grande
coisa. Mas há um contingente de católicos aqui que dizem que ele não deve se
envolver em questões políticas, que ele está fora de sua competência.”
Francisco também terá a oposição do poderoso
movimento evangélico dos EUA, disse Calvin Beisner, porta-voz da conservadora
Cornwall Alliance for the Stewardship of Creation [Aliança Cornwall de
Administração da Criação], que declarou ser o movimento ambientalista dos
Estados Unidos “não-bíblico” e uma falsa religião.
“O Papa deve recuar”, disse ele. “A Igreja Católica
está correta sobre os princípios éticos, mas foi enganada no tocante à ciência.
Resulta que as políticas que o Vaticano está promovendo são incorretas. Nossa
posição reflete as opiniões de milhões de cristãos evangélicos nos EUA.”
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