DALTONISMO
ESTATÍSTICO-IDEOLÓGICO
Jacinto Flecha
Você
sabia que só os 10% mais ricos comem alimentos caros, do bom e do melhor, e os
90% mais pobres só comem o resto? Não sabia!? Mas esta afirmação é muito
natural. Muito normal também, pois todos se alimentam como querem e como podem.
Os donos de muito dinheiro só comem os alimentos que podem comer, não conseguem
ir além disso, e o mesmo acontece com os outros.
Será que a estatística lhe deu a
impressão de injustiça? Claro que deu, pois foi feita para isso. Numa
formulação demagógica como essa, os ricos parecem injustos, exploradores. Quem
ouve coisas assim imagina cenas dantescas, onde miliardários obesos esbanjam fortunas
com alimentos caros, enquanto multidões de proletários esquálidos e famintos
mal conseguem se alimentar.
Um milionário paulistano, cuja única
atividade era consumir a fortuna herdada, precisou defender-se dos críticos, e
afirmou que cada um dos seus hobbies gerava empregos para
cinco pessoas. Entre oshobbies dele, boa alimentação e colecionar
carros antigos, por exemplo. Tanto ele como os seus empregados comiam o que
podiam comer, com o dinheiro disponível, e ainda sobrava para as outras
despesas. A alimentação de muitos deles, por sua própria função doméstica, era
a mesma do patrão rico. Muito natural e normal.
Comparações tendenciosas como essas,
sempre com forte carga igualitária, são repetidas por aí como artefatos da luta
de classes. É flagrante a ausência de base estatística confiável, e as fontes
nunca são reveladas. Em outras palavras, não passam de chutes. Tão falsas
quanto outras que mudassem apenas o ponto de corte. Por exemplo, de um lado 10,
20, 30, 40, 50 por cento; de outro lado, 90, 80, 70, 60, 50 por cento,
respectivamente. Para dar mais aparência de exatidão, alguns chegam ao requinte
de incluir alguns decimais.
Um literato, tão confiável em assuntos
de estatística quanto quem inventou a dos 10 contra 90, fez a clivagem em 50, e
decretou: Metade da população mundial passa fome, a outra metade faz regime.
Qual a diferença entre os dois chutes estatísticos? A rigor, nenhuma diferença,
mesmo porque ambos são inventados, têm apenas a credibilidade que se deve
atribuir a chutes. O primeiro contém forte ranço demagógico, e no outro está
evidente o objetivo humorístico, contrapondo uma fome real ou imaginária por
escassez de alimentos com outra de objetivos estéticos.
Por que estou tomando o seu tempo com
estatísticas inexistentes, que nem sequer obedecem ao método científico de
levantamento e avaliação dos dados? Meu objetivo é chamar a atenção do leitor
para a manipulação abusiva de números, geralmente apresentados como dados
indiscutíveis. Posições ou propostas de caráter esquerdista se sustentam
frequentemente com base neles, visando influir nas pessoas quando se discutem
pontos de vista ideológicos. Ficarei contente se conseguir que o leitor não se
deixe iludir por tais manipulações.
Quando demagogos esquerdistas
deblateram a favor da reforma agrária, por exemplo, não é raro tirarem da
cartola coelhos como este: 10% de latifundiários exploram 90% das terras,
enquanto 90% de miseráveis derramam seu suor em apenas 10%. Por que uns
derramam suor, enquanto outros exploram? Onde fica o limite entre
latifundiários e miseráveis? De onde saíram esses dados? Não ouse pedir ao
demagogo tais informações, pois se arrisca a receber dele torrentes de
desaforos acusatórios, lançados a fim de livrar-se das perguntas incômodas, sem
dar nenhum esclarecimento.
Na atual controvérsia ambientalista
sobre poluição e aquecimento global, os decepcionados herdeiros do fracassado
regime comunista mudaram um pouco a cantilena antiga, mas prosseguem jogando
pobres contra ricos. Batucaram longamente sobre o consumo predatório das
reservas mundiais de petróleo – os 10% mais ricos consumindo 90% do petróleo
mundial, ou algo assim – mas já se cansaram da música, pois as reservas de
petróleo não param de crescer. Quanto maior o consumo de petróleo, mais fontes
de petróleo aparecem. A ponto de um potentado do mundo petrolífero afirmar que
a era do petróleo não terminará por falta de petróleo, da mesma forma que a
idade da pedra lascada não terminou por falta de pedras.
Diante desses fatos indiscutíveis, os
esquerdistas passaram a acusar os 10% mais ricos de poluir o mundo dos 90% mais
pobres. Trauteiam também que o planeta vai ser destruído pelo CO2 que
os ricos despejam no ar.
Sofrem de um curioso daltonismo, esses
esquerdistas. Durante décadas a fio, empenharam-se em propagar como solução
para o mundo uma revolução vermelha. Fracassou esta quando o mundo ocidental
não comunista já estava em plena onda verde do agronegócio,
caminhando decididamente para saciar a fome mundial. Mas o progresso inegável
do agronegócio, gerador de empregos e alimentos, passou a ser incriminado por
eles como fator de poluição ambiental e aquecimento global. Tudo indica que o
verde deles não é o mesmo que conhecemos. Deve ser por daltonismo ideológico,
doença sem remédio e sem boas intenções.
Estamos próximo do Natal, e ocorreu-me
sugerir aos ecologistas mudar a roupa do Papai Noel de vermelho para verde.
Seria muito propagandístico, e também uma boa oportunidade para mudar de mentalidade.
Que tal presentearem a humanidade com algum progresso (verde, que seja), ao
invés de criticar qualquer progresso?
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