De quebrantos e
de anjos
Gregorio
Vivanco Lopes
Convido o leitor a prestar atenção num fenômeno de opinião
pública pouco realçado, pouco comentado, mas que tem enorme influência, por
vezes decisiva, nos rumos dos povos e portanto também nos rumos do Brasil.
Inicio
relatando um exemplo. Até há não muito tempo, o ex-presidente Lula vinha
pairando com facilidade sobre todas as dificuldades que se lhe apresentavam.
Como um planador de movimentos caprichosos, não havia pedra que o atingisse;
nem mesmo os descalabros provenientes de membros do PT ou do governo Dilma
chegavam a macular sua aura.
Atenção! Este
não é um artigo sobre a situação política, nem é uma análise da administração
federal. Por enquanto só estou dando um exemplo. Prossigamos nele.
Por mais que se
lançassem dardos perfurantes e flechas incendiárias contra os erros e os
absurdos praticados por Lula, em alguma zona imponderável do imaginário e do
pensamento humanos o ex-presidente permanecia incólume. Os fatos mais
gritantes, os raciocínios mais bem feitos, a lógica mais implacável, as verdades
mais evidentes não conseguiam perfurar esse tule, entretanto tão leve e esvoaçante,
com que uma fada má parecia cobrir a personalidade de Lula, a fim de ela poder
rir-se do Brasil e dos brasileiros.
De repente...
O imprevisto imprevisível aconteceu! Lula foi acusado de participar
pessoalmente da corrupção geral do PT, é levado coercitivamente a depor, chegam
a pedir a sua prisão, vaias o atingem em público e rasgam de alto a baixo o
tule mágico que o recobria.
O rei está nu! Todos olham estupefatos, sem
acreditar no que aconteceu. Tudo se passou como se uma flecha certeira o
tivesse atingido num ponto vulnerável, desfazendo o quebranto que o envolvia,
como a seta que buscou o calcanhar de Aquiles, o guerreiro grego até então com
o “corpo fechado”, e o prostrou.
A vaia mais
recente de que tenhamos notícia atingiu Lula em 16 de março último quando ele
saía do Instituto que leva seu nome. Informa a Agência Globo que Lula teve de
deixar o local “sob vaias e xingamentos”.
Saiu contrariado, cabisbaixo, sem conseguir explicar para si mesmo o que
aconteceu.
Esse exemplo,
muito recente e muito ao alcance de nossas vistas, levanta um problema de
opinião pública, que por vezes se dá na história dos povos de modo tão
inesperado como estrepitoso. Algo disso aconteceu com Getúlio Vargas, tido como
um dos mais badalados populistas que o Brasil já conheceu, até o momento em que
uma catarata de catástrofes desabou sobre sua cabeça. Perón, na Argentina,
passou por processo semelhante. Fala-se no declínio rápido da popularidade do
Papa Francisco.
Vemos por
vezes cantores, artistas famosos, eclesiásticos que se precipitam dos píncaros
da fama para os porões da rejeição pública.
Como explicar
esse fenômeno, que em intensidades e graus diferentes pode ser observado ao
longo de toda a História?
Não tenho a
pretensão de dar aqui resposta cabal a tais perguntas, que versam sobre assunto
extremamente complexo. Levanto apenas alguns elementos que provavelmente farão
parte da resposta.
Aspectos naturais e sobrenaturais
Há algo ainda
indecifrado na psicologia humana, sobretudo na das multidões, que prega
surpresas. Certas revoltas como as ocorridas na Revolução Francesa de 1789,
certas apoteoses delirantes na Alemanha hitlerista, ou ainda certas inércias
aparvalhadas ante a ditadura soviética, permanecem sem explicação adequada. O
entusiasmo, e também o ódio ou o torpor, são contagiantes e sujeitos a
manifestações inesperadas.
Em nível
individual, notamos que alguns homens manifestam certos predicados naturais,
sem que tenhamos uma explicação inteiramente convincente de porque isso ocorre
neles e não em outros. Tudo isso pertence ao domínio da psicologia; em alguns
casos, talvez, da psiquiatria.
Sobrepondo-se
a esse panorama natural, que a ciência pode alargar, temos de considerar também
as imensas e magníficas perspectivas que a doutrina católica abre diante de
nossos olhos maravilhados.
E aqui
encontramos –– tanto do lado do mal, com os demônios, quanto do lado do bem,
com os anjos –– uma ação constante sobre os homens, quer considerados
individualmente, quer formando conjuntos, povos, nações.
Os magos que
deslumbravam o antigo Egito produziam encantamentos e sortilégios tais, que
tornavam o Faraó imune aos pedidos, increpações e ameaças de Moisés e Aarão, e
mesmo aos milagres que faziam.
De outro
lado, o anjo que guiou Tobias foi quem desfez o quebranto que envolvia Sara,
futura esposa de Tobias, expulsando o demônio que a tinha sob sua influência e
acorrentando-o no deserto.
É conhecido o
poder tenebroso que têm certos gurus indianos de hipnotizar serpentes. Mas de
outro lado, quando Deus irou-se contra o povo hebreu por suas prevaricações e o
quis castigar, lançou contra ele um oráculo, pela boca do Profeta: “Vou
lançar serpentes contra vós, e víboras insensíveis aos encantamentos, que vos
morderão” (Jer. 8,17).
Há ainda a
considerar que, na prática, os aspectos naturais e os sobrenaturais muitas
vezes convergem num mesmo episódio, e nem sempre é fácil distinguir um do
outro.
* * *
Alguém
poderia perguntar: qual a razão deste artigo, uma vez que ele não chega a
nenhuma conclusão prática? A razão é simples. Assim como o espírito humano se
enriquece com ouvir uma bela música, em contemplar um objeto artístico,
encanta-se com um raciocínio bem feito, ou fortalece sua postura intelectual
com um argumento novo, assim também abrir a mente para essas realidades,
superiores ao cogitar pedestre do dia-a-dia, enriquece o senso de observação, a
capacidade de análise; e empurra um pouco para cima as fronteiras do
conhecimento humano.
Uma pergunta
final ainda cabe: pode-se reconstituir o tule que foi esgarçado ou mesmo
arrebentado? Também para essa pergunta não tenho uma resposta cabal. Não ouso
dizer que seja impossível. De qualquer modo, entra pelos olhos que a operação é
difícil. Ao menos no caso de Lula &
Cia.
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