Divisa. Caminhões estacionam frente ao marco da fronteira entre o Brasil e a Venezuela: rotina alterada
OndA de imigrantes muda vida de Pacaraima, com explosão de
violência e questões sociais
POR SÉRGIO ROXO, ENVIADO
ESPECIAL
PACARAIMA (RR) E BOA VISTA — Como tem
sido rotina nos últimos cinco meses, o movimento era intenso na principal via
de comércio de Pacaraima, cidade de Roraima e porta de entrada no Brasil de
venezuelanos que fogem da crise no país vizinho. Uma briga, no meio da rua, a
pouco metros da BR-174, porém, interrompeu a frenética negociação de compra e
venda de alimentos. Josue Manoel Perez Arroyo, de 21 anos, levou uma facada na
barriga, deu alguns passos e caiu estirado na sarjeta. Também atingido, seu
irmão mais velho, Elvis Yonathan Perez Arroyo, de 30 anos, conseguiu entrar num
táxi, que o levou para o hospital, mas não resistiu.
O duplo homicídio de venezuelanos no
dia 3 de outubro em plena luz do dia, num município de 12 mil habitantes que
não registrava um assassinato há três anos, simboliza as transformações que o
aumento do fluxo de estrangeiros provocou na região. Com dezenas de pessoas
vivendo nas ruas, a cidade tem enfrentado um verdadeiro caos urbano. Um mês
antes, um outro venezuelano, Jose Alberto Perez Torrealba, também foi morto a
facadas, enquanto dormia na varanda de um botequim.
O estado de Roraima registra este ano
uma explosão no número de venezuelanos detidos por cometerem crimes. Durante
todo o ano passado, apenas 12 foram presos. O número saltou para 80 até
setembro deste ano.
A delegada chefe do Departamento de
Narcóticos (Denarc) do estado, Francilene Hoffmann, acredita que a maioria das
prisões está relacionada ao tráfico de drogas, apesar de o governo não ter um
detalhamento da motivação.
— Precisamos ainda apurar se esses
presos vieram nesse fluxo de imigração por motivação social que está invadindo
o Brasil.
Em Pacaraima, além dos três
assassinatos, a cidade também vive uma onda de furtos. A estimativa de
policiais é que sejam cerca de dez casos por semana.
— Só no meu estabelecimento foram dez
roubos nos últimos três meses, todos praticados por venezuelanos. Nem as
câmeras de segurança inibem. Ninguém aqui tem mais tranquilidade — se queixa
Ivanice Morais, de 34 anos, dona de um mercado.
O aumento dos furtos na cidade provoca
reação dos comerciantes locais.
— Com medo da violência, os
comerciantes passaram a se armar. As armas são adquiridas de forma ilegal no
outro lado da fronteira. A cidade virou um barril de pólvora — afirma o
promotor Diego Oquendo, do Ministério Público Estadual.
A morte dos irmãos Arroyo traz um pouco
dos ingredientes desse clima de tensão que dominou o município. De acordo com
as investigações da polícia e do Ministério Público, poucos dias antes de serem
assassinados, os dois tinham sido torturados a mando de comerciantes que
suspeitavam do envolvimento deles em furtos. Dois comerciantes chegaram a ter a
prisão decretada por serem identificados como mandantes das torturas. Eles
fugiram antes do cumprimento do mandado judicial e estão foragidos.
Todos os dias venezuelanos chegam a Pacaraima, cidade brasileira de 12 mil habitantes na fronteira de Roraima com a Venezuela. Foto: Marcos Alves / Agência O Globo
A
entrada dos venezuelanos em Pacaraima é liberada. É possível chegar até a
cidade sem apresentar qualquer documento. Foto:
Marcos Alves / Agência O Globo
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Varandas
de casas desocupadas e até o terminal de ônibus da cidade servem de abrigo. Foto: Marcos Alves / Agência O Globo
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Katicia
Roja, de 40 anos, dorme em uma varanda com seus quatro filhos, sua irmã e um
neto recém-nascidoFoto: Marcos Alves / Agência O Globo
É
comum ver crianças venezuelanas pedirem comida nas ruas de Pacaraima Foto: Marcos Alves /
Durante
o dia, os imigrantes trabalham descarregando carretas com mercadorias que
chegam de Boa VistaFoto: Marcos Alves / Agência O Globo
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Os
comerciantes oferecem R$ 15 por carreta, mas também pagam com produtos Foto: Marcos Alves / Agência O Globo
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Por causa da desvalorização da moeda,
os venezuelanos são obrigados a trazer malas de dinheiro para comprar os
produtos locais. Um real vale R$ 520 bolívares Foto: Marcos Alves / Agência O Globo
Um grupo de indígenas veio para o
Brasil tentar conseguir dinheiro e voltar em 15 dias para casa. A panela de
arroz serve dez pessoas Foto: Marcos Alves
/ Agência O Globo
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Para executar a tortura, os
comerciantes contrataram venezuelanos. Dias depois de serem agredidos, os
irmãos Arroyo identificaram um de seus agressores e resolveram cercá-lo na rua.
Como reação, esse suposto agressor, um venezuelano de 17 anos, sacou uma faca e
acabou com a vida deles. Ele foi pego pela polícia venezuelana do outro lado da
fronteira e entregue às autoridades brasileiras.
FALTA DE MEDICAMENTO
Mas a violência não é a única
consequência da explosão de imigrantes venezuelanos na região. Segundo a
Polícia Federal, o posto de Pacaraima registrou 58.211 entradas no Brasil entre
outubro de 2015 e outubro deste ano. As autoridades dizem que o fluxo se
acelerou nos últimos cinco meses e isso está sobrecarregando o hospital local.
Os venezuelanos representam hoje entre
60% e 70% dos atendimentos feitos na unidade de saúde de Pacaraima. Por causa
disso, o hospital sofre com falta de medicamentos, como antitérmicos e
anti-inflamatórios.
— Dos que recebem tratamento de malária
e leishmaniose aqui, 90% são venezuelanos — relata o diretor administrativo do
hospital, Alsheldson de Jesus.
Movimento.
Negociação de compra e venda de alimentos por venezuelanos é intensa na
principal via de comércio de Pacaraima. Segundo Katicia Roja, “na Venzuela não
tem mais nada” - Marcos Alves
A unidade de saúde também é obrigada a
lidar com um outro problema que é consequência direta da situação da escassez
de alimentos do país vizinho: a subnutrição de crianças.
— Entre 10% e 15% das crianças
venezuelanas que atendemos estão com subnutrição. Algumas estão num estado tão
crítico que não conseguimos nem fazer aplicação de soro na veia. Precisamos
mandar para Boa Vista — conta Alsheldson.
Outra consequência são as invasões de
casas desocupadas. Ex-funcionário da PDVSA, estatal de petróleo que antes da
crise era símbolo do país, Raul Blanco, de 52 anos, que está há três meses na
cidade e vive de descarregar caminhões, é um dos venezuelanos que ocuparam
imóveis.
— Morava na rua, dormia num ponto de
táxi, mas consegui uma casa abandonada, pedi autorização para o vizinho, limpei
e estou ocupando. Não estou me apropriando, mas só usando por um tempo.
O aumento rápido da população tem
provocado acúmulo de lixo. Ao amanhecer, a cidade é tomada por urubus, como se
fosse um lixão. Terrenos baldios são usados como banheiro. Por causa do grande
tráfego de caminhões para abastecer as lojas, as ruas estão tomadas por
crateras.
— A rede de energia também está
sobrecarregada porque muita gente fez ligação irregular. É comum cair a luz. O
abastecimento de água também está sofrendo — afirma a secretária de Promoção
Social de Pacaraima, Socorro Lopes dos Santos.
Para quem dorme na rua, varandas de
casas desocupadas e até o terminal de ônibus da cidade servem de abrigo.
Crianças também passam a noite ao relento. Na última terça-feira, a venezuelana
Katicia Roja, de 40 anos, seus cinco filhos, sua irmã e até o neto
recém-nascido de apenas 4 dias se dividiam entre entre papelões esticados no
chão e uma rede. Dona de um terreno em Santa Elena de Uairén, a cidade venezuelana
que faz fronteira com Pacaraima, Katicia está no Brasil há 15 dias e tenta
trabalhar como faxineira. O filho descarrega carretas.
— Quero ficar aqui até juntar dinheiro
para comprar uma lona para montar uma casa no meu terreno. Na Venezuela, não tem
mais nada — conta.
A
venezuelana Katicia Roja, de 40 anos, seus cinco filhos, sua irmã e um neto
recém-nascido de 4 dias dormem na varanda de uma casa desocupada em Pacaraima,
na fronteira de Roraima com a Venezuela - Marcos Alves
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/brasil/venezuelanos-levam-caos-roraima-20419502#ixzz4PKRK7DPO
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