terça-feira, 10 de janeiro de 2017

A voz dos rodeios: "de shorts e chinelos, não!"



Voz dos rodeios reproduz tendência conservadora de um Brasil rancheiro e agrícola
Simon Romero
Em Goiânia

Chapéu de caubói? Tem. Botas de couro de avestruz? Tem. Fivela do cinturão com a inscrição em inglês "Get Tough" [Seja durão]? Tem.
"Vestimo-nos como caubóis nesta parte do país", disse Cuiabanno Lima, explicando sua indumentária enquanto atacava um pedaço de costela em uma churrascaria nesta cidade, no coração do cinturão agrícola brasileiro. "Simplesmente não posso entrar aqui usando shorts e chinelos. Sinto muito, mas aqui não é o Rio de Janeiro."
Lima, 40, um aclamado locutor de rodeios, tem razão. Caminhonetes salpicadas de lama percorrem as ruas de Goiânia. Música sertaneja berra de alto-falantes em bares a céu aberto. Lojas como West Land, Texas Center e Botas Goyazes vendem apetrechos do oeste dos EUA.
O crescimento da cultura do caubói aqui reflete grandes mudanças no Brasil nas últimas décadas. Instigado pela crescente demanda global por alimentos, o Brasil evoluiu para ser uma locomotiva agrícola, destacando-se como grande exportador de soja, milho, açúcar e café.
O país também se classifica entre os maiores produtores de carne do mundo, com um rebanho bovino que cresceu mais de 30% desde 1990, chegando a cerca de 215 milhões de cabeças. Isso dá ao maior país da América Latina, com uma população de 206 milhões, mais bois que gente.
A economia brasileira está mergulhada em um longo declínio, mas o agronegócio continuou firme durante a crise. A expansão de um circuito de rodeios no Brasil, com centenas de competições bem produzidas realizadas no vasto interior a cada ano, indica a importância da pecuária como um pilar da economia.
É aí que entra Lima, como um porta-voz não oficial dos Estados agrícolas do Brasil.
Embora desconhecido por muitos moradores das cidades costeiras do país, ele conquistou fama no interior como apresentador de rodeios com um estilo exagerado que poderia chocar alguns de seus homólogos nos EUA, e por adotar posições socialmente conservadoras em um país que está virando à direita.
Em uma entrevista sinuosa durante um almoço com cerveja e quantidades copiosas de carne, Lima manifestou suas opiniões sobre diversas questões, incluindo a religião (ele se considera um católico ferrenho que também frequenta uma igreja evangélica), o papel das mulheres na sociedade (suas opiniões parecem se refletir em um vídeo de música country que ele fez, em que se gaba de ter pago pela cirurgia plástica de uma dona de casa) e o meio ambiente.
"Não me pergunte sobre a Amazônia", disse Lima, referindo-se à vasta bacia hidrográfica onde, segundo as autoridades, a expansão da fronteira agrícola destruiu ilegalmente grandes áreas da floresta tropical. "Eu voei sobre a Amazônia em um pequeno avião e tudo o que vi durante horas foram árvores. Confie em mim, podemos desmatar muito mais, se for preciso."
A disposição de Lima a manifestar publicamente o que muitos brasileiros dizem em particular reflete, talvez, um desejo de chamar a atenção. Enquanto ele percorre o circuito de rodeios em sua caminhonete Mitsubishi Titan, as competições em que Lima trabalha dão muitas vezes tanta importância a ele quanto aos peões montadores.
Em um rodeio em Goiânia, (...) depois de cantar o hino nacional brasileiro, ele conduziu os competidores em uma longa oração antes de seguir com o evento. Ele costuma contar piadas, exala orgulho sobre a cultura rancheira do Brasil e irrompe em canções enquanto descreve os aspectos técnicos dos peões que competem por prêmios em dinheiro.
"Eu amo os EUA e reconheço o quanto devemos à cena do rodeio de lá, mas o pessoal no Brasil espera um pouco mais de seus apresentadores", explicou. "O que sou eu, essencialmente? Um contador de histórias."
Lima virou apresentador de rádio depois de estudar três coisas: direito, jornalismo e a arte dos palhaços. Ele disse que foi durante essa época na escola de palhaços no Rio, quando tentava encontrar uma entrada no show business, que aprendeu "a lição valiosa de rir dos meus próprios fracassos".
"Filho bastardo de um fazendeiro", como ele mesmo se descreve, Lima foi criado pela mãe, uma lojista, em Barretos, cidade no Estado de São Paulo que há muito é o epicentro da cena de rodeios brasileiros. Lima viaja durante o ano todo para várias regiões agrícolas, mas ainda vive em Barretos com sua mulher e seu filho.
Para surpresa de alguns de seus fãs, ele nem sempre foi Cuiabanno Lima. Seu nome de batismo é Andraus Araújo de Lima; Andraus também era o nome de um edifício de São Paulo que pegou fogo em 1972, uma tragédia em que as pessoas que tentavam escapar das chamas foram filmadas saltando para a morte dos andares mais altos.
"Obviamente eu precisava de um novo nome, algo que falasse da grandeza do interior do Brasil", disse ele sobre seu nome artístico. "Cuiabanno" se refere aos nativos de Cuiabá, a capital do Mato Grosso, na fronteira oeste, um Estado com empresas agrícolas florescentes.
Em um país onde os ativistas pelos direitos dos animais se tornaram mais veementes nos últimos anos, nem todo mundo aprecia a exaltação feita por Lima das proezas do agronegócio no país.
"Cuiabanno não passa de um bobo da corte em um cenário de rodeios dominado por fazendeiros ricos e patrocinadores empresariais", disse Leandro Ferro, presidente do grupo sem fins lucrativos Odeio Rodeio, de São Paulo, que busca aumentar a consciência sobre denúncias de crueldade contra os animais nos rodeios brasileiros.
Lima zomba dessas críticas, afirmando que seus adversários são irreais sobre a importância da agricultura e da pecuária na sociedade contemporânea.
"Nem todo mundo pode comer orgânico, comer folhas em embalagens caras", disse ele. "O mundo precisa de proteína animal, e o Brasil a fornece."
Quanto aos rodeios, Lima disse estar feliz porque eles estão virando um grande negócio com o apoio de corporações. Ele comentou com orgulho que os "caubóis" brasileiros se tornaram tão hábeis em algumas competições, como a montaria em touros profissional, que se classificam entre os que ganham mais dinheiro nos EUA.
Apesar de defender esse feitos, juntamente com sua própria proeminência crescente, Lima afirma que as elites das cidades como São Paulo e Rio preferem ignorar os sinais evidentes de que a cultura rancheira do Brasil, com seus valores conservadores, está ganhando proeminência.
Na política brasileira, por exemplo, um bloco poderoso que representa grandes proprietários de terras e interesses agrícolas em grande escala, exerce uma influência considerável no Congresso. E um subgênero da música country brasileira chamado sertanejo universitário, que atende às aspirações da classe média educada, cresceu em popularidade.
"Produzimos a riqueza do país e cada vez mais a cultura que as pessoas consomem, mas o interior do Brasil continua abandonado", disse Lima. "Alguma coisa nessa equação tem de mudar."




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