Brincando com fogo
Péricles Capanema
O de que vou falar não é brincadeira. Já tratei
do assunto quatro vezes, “O Brasil servo”, “Clamando no deserto” (18-2-16),
“Tumores de estimação” (2-4-16) e “Ocultando a realidade ameaçadora”
(17-10-16).
Volto hoje ao tema. O Estadão de 3 de
março estampa em manchete: “Shangai Electric fará proposta para
assumir obras de R$ 3,3 bi da Eletrosul”. Em destaque gráfico o jornal
recorda fatos relacionados: “Últimas compras feitas por chineses: CPFL. Em
julho de 2016 a State Grid comprou fatia de 23% da Camargo
Corrêa na CPFL por R$ 5,8 bilhões.
Neste ano, concluiu a compra do controle por
R$14 bi. Estrela. Em agosto de 2015, a China Three Gorges (CTG)
comprou duas hidrelétricas da Triunfo Participações e Investimentos por quase
R$ 2 bilhões. Leilão. Em novembro de 2015, CTG venceu o leilão da Ilha Solteira
e Jupiá (CESP), por R$ 13,8 bilhões. Em 2016, comprou a Duke Energy por US$ 1,2
bilhão”.
Informa a reportagem assinada por Renée
Pereira, a Shangai Electric deve apresentar até 10 de março
proposta para assumir várias concessões de linhas de transmissão de energia da
Eletrosul, subsidiária do grupo Eletrobrás.
Em nenhum momento, o texto elucida que
a Shangai Electric é controlada pelo governo chinês. Também
não esclarece que a China Three Gorges e a State Grid são
estatais chinesas. Outro modo, são empresas controladas pelo Partido Comunista
Chinês (PCC).
Nenhum leitor terá visto o PT condenar a tomada paulatina do
setor elétrico brasileiro pelo capital estrangeiro (no caso, o capital
comunista chinês). Convém-lhe o fato.
Passo agora à reportagem de agosto de
2016, revista Exame, assinada por Maria Luiza Filgueiras. Título “O
setor elétrico brasileiro caiu no colo dos chineses”.
A jornalista
lembra que a State Grid fatura 340 bilhões de dólares por ano,
tem 1,5 milhão de funcionários. Outra empresa gigantesca, a Huadian gera
o equivalente a toda a energia elétrica produzida no Brasil. Está negociando a
compra da Santo Antônio Energia. A reportagem ainda menciona a SPIC e a CGN,
ainda de origem chinesa.
A State Grid tem hoje
no Brasil 7 mil quilômetros de linhas em funcionamento e 6,6 mil quilômetros em
construção. É o sintoma de um fenômeno em estágio inicial, a dominação do
mercado por empresas chinesas, afirma a citada jornalista.
“Eles vão
comprar tudo”, disse a ela um banqueiro de investimentos. Nos últimos
cinco anos (matéria de agosto de 2016), os chineses investiram 40 bilhões de
dólares no setor elétrico brasileiro.
Todas essas empresas são estatais
chinesas (na grande maioria das vezes, fato ocultado do leitor brasileiro). A
diretoria delas, nomeada pelo governo, tem o aval do PCC, que governa
ditatorialmente em regime de partido único aquele desventurado país. De outro
modo, está caindo no colo do Partido Comunista Chinês o setor elétrico
brasileiro.
Adiante. O governo brasileiro começa a
discutir a venda de terras para estrangeiros. Em entrevista à GloboNews,
15 de fevereiro, o ministro Henrique Meirelles afirmou que o governo liberaria
nos próximos 30 dias a venda de terras brasileiras para estrangeiros.
“O
Brasil precisa de crescimento e de investimento. O agronegócio foi a área que
mais cresceu em janeiro. Temos que investir, gerar mais empregos”. É tema
delicado, requer debates de entendidos, do livro e da prática. Que se ouça com
especial atenção o produtor rural, aqui também quem trabalha em terras
arrendadas, que poupa na esperança de comprar seu pedaço de terra.
Li em fontes
várias, a proposta do governo virá com nota demagógica: 10% da terra comprada por
estrangeiro terá que ser dedicada a projetos de reforma agrária. Soa como
barretada ao MST, CNBB, e entidades similares, medida na certa prejudicial ao
campo e à produção, e que em nada ajudará o trabalhador rural.
Exprimo o temor
de que o PCC, por meio de estatais e fundos de investimento, acabe comprando
centenas de milhares de hectares, se não milhões. E a imprensa na certa vai
noticiar na cantilena: “grupos chineses”, “investidores chineses”.
Relembro abaixo o que adverti meses
atrás. A compra de gigantescos ativos pelas estatais chinesas traz o Partido
Comunista Chinês para dentro da economia brasileira; para dentro da política
brasileira. T
ais empresas serão instrumentos para alinhar o Brasil aos
interesses do comunismo chinês, no caso, de imediato, fortalecer na região os
intuitos de Pequim e minar a influência norte-americana. Os mesmos objetivos,
com métodos iguais, estão sendo levados a cabo na Argentina, Venezuela,
Equador, Peru, Bolívia. E em outros países.
Por que tanto silêncio? Ponho a nu razão
que morde no bolso. Em razão de longa política exterior de hostilidade aos
Estados Unidos e à União Europeia, a China hoje é o maior parceiro comercial do
Brasil, cerca de 20% de nosso comércio exterior.
Vendemos em especial
matérias-primas (commodities), sobretudo minério de ferro, soja, óleos
brutos do petróleo, em geral por volta de 80% do total, itens com pouco valor
agregado. E compramos mercadorias com alto valor agregado, máquinas, aparelhos
elétricos, aparelhos mecânicos, produtos químicos orgânicos, em torno de 60% do
total.
Conta ainda na pauta de exportações a presença crescente de produtos do
agronegócio, como carnes, couro, açúcar. É um imenso universo de fornecedores,
de cujo vigor depende a sanidade da balança comercial brasileira.
De alguma maneira nos tornamos reféns
da China. Ela pode trocar fornecedores, contratá-los em outros países, caso
Brasília e setores privados não atuem eficazmente contra sua crescente
presença, sobretudo econômica, entre nós.
Concebível, setores privados e autoridades
governamentais então prefeririam, para salvar vantagens econômicas, o silêncio
confrangido (acovardado) sobre o avanço imperialista chinês dentro de nossa
casa. No fato, conveniências de momento seriam fatores determinantes para
conduta que deságua na independência condicionada e na limitação da soberania.
Nenhum país sério tolera arranhões em sua independência e em sua soberania. A
omissão a respeito caracteriza descumprimento dos deveres de defesa nacional.
Se não for cortado esse passo de forma sensata, com lucidez e determinação, no
horizonte, já antevisto, desenha-se para nós o estado vergonhoso de protetorado
efetivo.
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