Cuba, uma revolução decrépita e rabugenta
por Percival Puggina
Em 1959, meus pais vieram morar em Porto
Alegre. Aqui estavam as universidades e os melhores colégios públicos que
para elas preparavam seus alunos.
No topo da lista, o Colégio Estadual Júlio de
Castilhos e seus excelentes professores. Por ali passaríamos os sete irmãos,
cada um ao seu tempo. Era impossível, na efervescência intelecto-hormonal e no
dinamismo da política estudantil dos anos 60, ficar imune aos debates e às
disputas entre as distintas e "sólidas" convicções dos adolescentes
às voltas com suas espinhas.
Foi nesse ambiente que ouvi, pela primeira vez,
afirmações que repercutiriam através de sucessivas gerações de brasileiros:
nosso país, a exemplo de outros, era subdesenvolvido por causa do imperialismo
norte-americano, do capitalismo, da ganância empresarial e da remessa de lucros
para o estrangeiro.
Desapropriação e nacionalização compunham palavras de ordem
e o fogoso Leonel Brizola se encarregava de agitar a moçada com inflamados
discursos a respeito.
Para proporcionar ainda mais calor àquela
lareira ideológica, Fidel Castro, montado num tanque, passara por cima dos
supostos males causados pela burguesia e - dizia-se - colocava Cuba no limiar
do paraíso terrestre. Derrubara uma ditadura e implantava o comunismo na ilha.
Cá em Porto Alegre, nos corredores do Julinho, os mais eufóricos
desfilavam entoando "Sabãozinho, sabãozinho, de burguês gordinho! Toda vil
reação vai virar sabão!". A efervescência tinha, mesmo, incontidas causas
hormonais.
Em meados de 2015, o New York Times publicou
matéria repercutida pelo O Globo sobre as expropriações e nacionalizações
promovidas pela revolução cubana em seus primeiros três anos.
Menciona vários
contenciosos que se prolongam desde então, envolvendo, entre outros, o governo
espanhol, uma entidade representativa dos interesses dos cidadãos espanhóis, os
Estados Unidos, bem como empresas e cidadãos norte-americanos e cubanos. Todos
tiveram seus haveres confiscados, expropriados e, em muitos casos, surrupiados
por agentes públicos.
Ao todo, dois milhões de pessoas abandonaram a ilha,
deixando para trás seus bens. Muitos, como a nonagenária Carmen Gómez
Álvarez-Varcácel, que falou ao NYT por ocasião dessa reportagem, tiveram
tomadas as joias de família que levavam no momento em que abandonavam o país.
Segundo a justiça revolucionária, tudo era produto de lucro privado e merecia
ser expropriado. Quem, sendo contra, escapasse ao paredón, já estava no lucro.
Um estudo da Universidade de Creighton fala em perdas de US$ 6 bilhões por
parte de cidadãos norte-americanos. As pretensões espanholas chegariam a US$ 20
bilhões.
No discurso da esquerda daqueles anos, e que se
reproduz através das gerações, Cuba, tinha, então, o paraíso ao seu dispor. Sem
necessidade de despender um centavo sequer, o Estado herdou todo o patrimônio
produtivo, tecnológico e não produtivo de empresas privadas e de milhões de
cidadãos.
Libertou-se a ilha da dita exploração capitalista. O grande vilão
ianque foi banido de seu território. Extinguira-se, de uma só vez e por
completo, a remessa de lucros. A maldosa burguesia trocara os anéis pelos
dedos. Tudo que o discurso exigia estava servido de modo expresso, simultâneo,
no mesmo carrinho de chá.
Cuba, no entanto, mergulhou na miséria, no
racionamento, na opressão da mais longa ditadura da América, na perseguição a
homossexuais, na discriminação racial e na concessão a estrangeiros de direitos
que, desde então, recusa ao seu povo.
Por outro lado, enquanto, em nome da
autonomia dos povos, brigava como Davi com bodoque soviético contra os Estados
Unidos, treinava e subsidiava movimentos guerrilheiros centro e sul-americanos,
e intervinha militarmente em países africanos a serviço da URSS.
O recente recuo político promovido por Trump nos
entendimentos com a alta direção de Castro&Castro Cia. Ltda. leva em conta
aspectos que foram desconsiderados por Obama e pelo Papa Francisco, tanto na
política interna da ilha quanto nos contenciosos nascidos naqueles primeiros
atos da revolução.
Não posso ter certeza sobre quanto há de proteínas
democráticas na corrente sanguínea de Trump animando essa decisão. Mas não tenho
dúvida, porque recebo informações a respeito, que os milhões de cubanos na
Flórida conhecem como ninguém a opressão política, a coletiva indigência, a
generalizada escassez e a falta de alternativas que sombreia sucessivas
gerações de seus parentes sob o jugo de uma revolução velha e velhaca,
decrépita e rabugenta. E essa pressão política pesa muito por lá.
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