O Menino Jesus e o
IBGE, a Nasa e a Embrapa
O Brasil tem
autoridade para enfrentar críticas dos campeões de desmatamento mundial
Evaristo E. de Miranda*
Por que Jesus nasceu em Belém? Por
que José, de forma quase irresponsável, deixou em pleno inverno a cidade de
Nazaré, onde tinha casa, amigos e parentes? Por que partiu em viagem com Maria,
nos últimos dias de sua gravidez, rumo a Jerusalém? Culpa do censo.
Naquele tempo, o imperador César
Augusto realizou o censo do Império Romano "e todos iam se inscrever, cada
um em sua cidade" (Lucas 2,3). O censo era levado a sério naquela época,
por imperadores e por carpinteiros. Há 2 mil anos, em última análise, um censo
levou o Filho de Deus a nascer numa manjedoura em Belém, na Judeia. E não em
casa, na Galileia.
O Brasil também deve a um imperador
seu primeiro censo, organizado por dom Pedro II, em 1872. Além do primeiro selo
postal, da primeira ferrovia, do primeiro telefone, do primeiro telégrafo, da
primeira hidrelétrica e da primeira termoelétrica, o Império também nos brindou
com o primeiro censo. Um marco sobre a demografia, a economia e a situação
social do Brasil do século 19.
Demorou e os carpinteiros da
República entraram no ritmo. A cada dez anos o País deveria realizar um censo
completo. Em 1910 e em 1930 ele não foi realizado. O de 1990, pulamos para
1991. As dificuldades são muitas. Por mérito de técnicos e dirigentes do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o censo dota a
sociedade de indicadores preciosos e quantificados sobre seus problemas e seus
recursos, sempre aperfeiçoando os métodos de aquisição e tratamento dos dados.
Para o setor agropecuário os dados do IBGE são essenciais.
Neste tempo de Natal, como nos tempos
de José e Maria, o IBGE realiza o Censo Agropecuário, Florestal e Aquícola
2017, uma investigação estatística e territorial sobre a produção agropecuária
do País, prevista para terminar em fevereiro de 2018. O levantamento inclui
dados sobre a propriedade rural, produção, área, pessoal ocupado, estoques,
efetivos da pecuária, lavouras e silvicultura, entre outros. O setor mais
dinâmico da economia precisa dessas informações para avançar ainda mais. Sem
números não teremos rumos, seguiremos rumores ou, pior, humores.
Mas nem só de levantamentos de campo
vive a inteligência territorial da agropecuária. Há algo no ar além dos aviões
de carreira, como dizia o Barão de Itararé. São os satélites de observação da
Terra. Eles se multiplicaram neste século. E servem de orientação, como a
estrela que guiou os magos até Belém. Centenas de sistemas orbitais produzem
imagens diárias da agricultura, com detalhes de até 50 centímetros.
A Embrapa Territorial utiliza essas
informações em seus estudos sobre o uso e ocupação das terras no Brasil. O
Cadastro Ambiental Rural (CAR) foi baseado em imagens de satélite. E a agência
espacial (Nasa) e o Serviço Geológico dos Estados Unidos acabam de publicar um
cálculo das áreas cultivadas do planeta, com base em monitoramento por
satélite.
A Terra foi vasculhada com um detalhe
de 30 metros por duas décadas por pesquisadores do Global Food
Security Analysis – Support Data at 30 meters (GFSAD30). Esse projeto
busca trazer subsídios sobre a segurança alimentar no planeta. Ele mediu a
extensão dos cultivos, as áreas irrigadas e de sequeiro, a intensificação no
uso das terras com duas, três safras e até áreas de cultivo contínuo, etc.
Segundo o estudo, o mundo tem 1,87
bilhão de hectares de lavouras. As maiores áreas cultivadas estão na Índia
(179,8 milhões de hectares), nos Estados Unidos (167,8 milhões de hectares), na
China (165,2 milhões de hectares) e na Rússia (155,8 milhões de hectares).
Esse trabalho interessa ao Brasil,
por duas razões. Em primeiro lugar, em 2016 a< /st1:metricconverter>
Embrapa Territorial calculou a área cultivada do País: 65.913.738 hectares
(7,8%). O ministro Blairo Maggi tem divulgado esses dados, aqui e no exterior.
A Nasa calculou a área de lavouras do Brasil em 63.994.479 hectares (7,6%). Esse resultado
confirma o da Embrapa. A diferença foi de apenas 0,2%, para menos, no caso da
Nasa.
Em segundo lugar, alguns dados
comparativos entre o uso agrícola dos países, de acordo com a Nasa, merecem
destaque. O Brasil protege e preserva a vegetação nativa em mais de 66% de seu
território. E cultiva 7,6% das terras. A Dinamarca cultiva 76,8%; a Irlanda,
74,7%; os Países Baixos, 66,2%; o Reino Unido 63,9%; a Alemanha 56,9% - e a
Europa por aí vai.
Os europeus desmataram e exploram
intensamente o seu território. A Europa, sem a Rússia, detinha mais de 7% das
florestas originais do planeta. Hoje tem apenas 0,1%. A soma da área cultivada
da França (31.795.512 hectares) com a da Espanha (31.786.945 hectares) equivale
à cultivada no Brasil (63.994.709 hectares)!
A maior parte dos países utiliza 20%
a 30% do território com agricultura. Os da União Europeia usam entre 45% e 65%.
Os Estados Unidos, 18,3%; a China, 17,7%; e a Índia, 60,5%. Os agricultores
brasileiros cultivam apenas 7,6%, com muita tecnologia e profissionalismo. E
isso já faz do País uma potência mundial do agronegócio. O que seríamos se cultivássemos
três vezes mais, 21% do território nacional, como se verifica no restante do
mundo?
Hoje, 21% do Brasil é o que os
produtores dedicam à preservação da vegetação nativa e da biodiversidade dentro
de seus imóveis. São mais de 177 milhões de hectares registrados no CAR. Sem
nenhuma compensação financeira nem ajuda governamental. Esses dados e mapas,
corroborados agora pela Nasa e certamente pelo Censo Agropecuário, devem ser
divulgados para reduzir a visão distorcida de muitos sobre a agricultura brasileira.
Que agricultura no mundo dedica tal
área e tal patrimônio à preservação do meio ambiente? O Brasil tem grande
autoridade para tratar desse tema, diante das críticas dos campeões do
desmatamento mundial e de suas vaquinhas de presépio.
* Evaristo E. de Miranda - Chefe
Geral da Embrapa Territorial
OESP 23/12/2017
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