Simplificações
demolidoras
Péricles Capanema
Simplificar pode ser bom, em geral as sínteses são
simplificações. Ocorrem, no rumo oposto, simplificações que deformam a
realidade e, pior, são aríetes de demolição. Vou falar sobre o segundo tipo, no
caso com gigantesca capacidade destrutiva e fôlego de gato.
Antes, entro rápido por um atalho. Nelson Rodrigues
escreveu, havia sonhado com Deus, que lhe perguntou: “O que é que você fez na
vida?”. Nada via de importante, até que, num estalo, encontrou: “Eu promovi, eu
consagrei o óbvio”. E prosseguiu: “Aí está o grande feito de toda a minha vida.
O óbvio vivia relegado a uma posição secundária ou nula. Arranquei-o da obscuridade, da
insignificância”.
Volto ao tema. A simplificação demolidora de que vou tratar
tem mais de século. No mundo, certamente é o mais forte motor do igualitarismo,
mais no ponto, do socialismo. Contamina de alto a baixo a escala social. Tem
mais veneno que a soma dos escritos de Marx, Engels, Lênin e toda a alcateia.
O
que demole? Corrói hábitos, debilita ou modifica convicções; em resumo, mina
barreiras antissocialistas. Por aí se vê, precisa ser (ela mesma) demolida.
Tarefa difícil; o mantra, qual fênix de maldição, renasce sempre e no seu voo
despeja estragos sem fim, especialmente sobre os mais pobres.
Aqui está o mantra: “O esquerdista (ou o socialista),
homem sensível, tem pena dos pobres. O coração é bom, mesmo que erre muito”. Em
sentido contrário, o direitista, sujeito egoísta, não tem dó dos pobres. Pode
até acertar, mas o coração permanece duro.
Com quem fica a maioria do povo? Via
de regra, a propensão é por quem tem compaixão pelos pobres. Só o abandona
quando ele provoca desastres que mexem fundo no bolso, rouba demais ou
esbofeteia costumes muito arraigados. A batalha, antes do primeiro tiro, já
fica meio perdida. Simplifiquei, mas não está descrita em linhas gerais a luta
política em muitos países?
Poucos dias atrás, ao Financial Times, o mais prestigioso órgão do capitalismo britânico,
pontificou Paulo Guedes, o superministro da Economia: “Pessoas de esquerda têm miolo mole e bom coração. Pessoas de direita têm
a cabeça mais dura e coração não tão bom”.
É o gosto da boutade, dirão alguns, o ministro é
chegado numa, não deixa passar a ocasião. Admito, mas atenua o desastre?
Lembro, a boutade, para ser exitosa,
precisa destacar com espírito certa faceta da realidade. Como a frase “Foi pior
que um crime, foi um erro” dito de Boulay de La Meurthe sobre o assassinato do
duque de Enghien.
Põe em relevo que muitas vezes na política erro destrói mais
que crime. Ou o dito cortante de
Bismarck sobre Napoleão III: “uma grande incompetência desconhecida”. Metia no
ressalto realidade óbvia para Bismarck, mas pouco observada, as limitações
enormes do imperador francês.
Paulo Guedes não é um ministro
qualquer perdido por Brasília, tem grande agenda que pode fazer o Brasil voltar
a crescer e, com isso, tirar do buraco a milhões de pobres. Agiria melhor se
fugisse de boutades, frases
irrefletidas e análises superficiais, que, sem que ele o queira, admito sem
problemas, levam água para o moinho do lulopetismo.
Roberto Campos repetia, tinha
coração bom, queria acabar logo com a pobreza no Brasil, mas na quadra
histórica por ele analisada, constatava: “A cura da pobreza depende do crescimento
econômico. E as molas clássicas do crescimento continuam sendo a poupança, a
produtividade e o espírito empresarial.” Aí sim, com amparo no Estado, com
razão sugeria o político, criar redes de proteção para os desvalidos.
Eu falava em simplificações. O amor romântico (não o
efetivo e real) aos pobres pode levar equivocadamente à simpatia com posições
socialistas. Tem levado, a dizer verdade, é fator essencial da perenidade
socialista nas urnas eleitorais. É simplificação doentia da realidade.
Mas existe outro fator, também fundamental. O que
enraíza cúpulas e militância socialista endurecida em suas posições não é a
compaixão pelos pobres, é a obsessão igualitária, inimiga furibunda de
desigualdades, mesmo harmônicas. Para eles, os pobres que se danem, sofram por
décadas sem fim as piores provações provocadas pelas imposições da experiência
socialista que supostamente os empurraria para a sociedade dos iguais.
Acontece
em Cuba, acontece na Coreia, acontece na Venezuela. Onde está ali a compaixão
pelos pobres? Inexiste. É óbvio. Ululante. Socialistas autênticos não têm bom
coração. A história, repetidamente, esbofeteia o fato em nossa cara. O artigo
poderia também se chamar mentiras deslavadas. Por último, promovamos o óbvio,
sempre tarefa enorme.
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