É o sistema
Carlos Alberto Sardenberg
Ricos envergonhados são assim: quanto mais dinheiro ganham, mais adotam posições políticas contra o capitalismo em geral e o sistema financeiro em particular. O patrono da categoria é George Soros, que, aliás, continua lucrando com seus fundos especulativos.
Exagero? Pois então leiam sobre os debates no Fórum Econômico Mundial, em Davos, o tradicional encontro de líderes globais, públicos e privados, para ajustar os rumos da economia de mercado. O modelo faliu, procuram-se alternativas — foi o mote principal.
Terminou sem respostas. Ocorre que a alternativa ao capitalismo, o socialismo, morreu antes. A rigor, há apenas um regime socialista sobrevivente, o de Cuba, estagnado, pobre. Por isso, está em reformas, mas em qual direção mesmo? Pois é, redução do Estado, incluindo demissão de funcionários públicos, e ampliação de áreas abertas à iniciativa privada estrangeira. A brasileira Odebrecht, por exemplo, vai produzir açúcar e etanol na ilha, com a benção de Dilma.
A presidente não foi a Davos. Foi a Porto Alegre, para o Fórum Social, a versão socialista, e lá lançou mais um ataque ao neoliberalismo. De onde o leitor pode imaginar o tamanho da confusão. As reformas em Cuba são, nesse sentido, neoliberais. Menos Estado, mais mercado.
Além disso, vamos dar uma olhada no noticiário local. Está em curso o leilão de privatização de três grandes aeroportos brasileiros. Menos Estado, mais mercado.
Também nesta semana, a área econômica do governo Dilma comemorou o superávit primário de 2011 e a redução do endividamento público como porcentagem do PIB. Ora, superávit primário, redução da dívida, ajustes, tudo isso é herança neoliberal. Mas Dilma disse em Porto Alegre que toda a América Latina, anti-neoliberal, vai muito bem, ao passo que os desenvolvidos, neoliberais, vão mal. E que a Europa vai cair no desemprego e na ditadura se insistir no ajuste “conservador” de redução das dívidas públicas.
Mas quais países europeus passam melhor por esse turbilhão? Alemanha e Holanda, por exemplo, justamente aqueles que cumpriram mais à risca a cartilha de ajuste conservador. Na Alemanha, houve até uma redução real de salários para tornar os produtos locais mais competitivos.
E a América Latina? Os países que vão bem são justamente aqueles que avançaram as reformas neoliberais dos anos 90.Todos têm as mesmas bases econômicas: responsabilidade fiscal, superávit primário, regime de metas de inflação, câmbio mais ou menos flutuante, privatizações, muita exportação para a China, acúmulo de reservas e, sim, programas tipo Bolsa Família. (Aliás, transferir dinheiro diretamente para os mais pobres foi idéia nascida no campo liberal).
Finalmente, qual o país rico que está saindo mais depressa da crise? Os Estados Unidos, onde, aliás, há o maior número de ricos envergonhados. Ah! O sistema!
Fonte: O Globo, quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário