Segurança alimentar
Roberto Rodrigues
Um dos temas mais debatidos no
mundo inteiro é o da segurança alimentar. Todo dia cientistas, políticos,
técnicos, empresários, estudiosos e curiosos se debruçam sobre a expectativa de
que, em 2050, seremos 9 bilhões de habitantes no planeta, exigindo uma produção
de alimentos 70% maior do que a atual para a fome não aumentar.
Mas a demanda
dos alimentos segue a crescer acima da oferta, seja por a renda per capita
aumentar mais nos países onde se expande mais a população, seja por falta de
políticas públicas globais ou nacionais em favor de maior produção, seja por
adversidades climáticas nos países produtores, seja porque 2050 ainda está
muito longe...
Ao pensar nisso, a OCDE e a FAO
lançaram um sério estudo há pouco mais de um ano, avaliando o que acontecerá em
2020, "amanhã". E concluíram que até lá, isto é, em dez anos, a
oferta global de alimentos tem de aumentar 20%. E que, para isso, o Brasil
precisa incrementar sua oferta em 40%. Por três motivos.
O primeiro é a nossa excelente
Tecnologia tropical: nos últimos 20 anos, a área plantada com grãos no País
cresceu 40%, enquanto a produção aumentou 220%. Novas Tecnologias permitiram
maior produtividade por hectare plantado. Hoje cultivamos 52 milhões de
hectares com todos os grãos. Tivéssemos a mesma produtividade de 20 anos atrás,
seriam necessários mais 66 milhões de hectares para colher a safra deste ano.
Em outras palavras, foram preservados 66 milhões de hectares de florestas ou
cerrados, e isso não é promessa ou sonho: está feito.
Mais ainda: se tivéssemos hoje a
mesma produtividade de cana-de-açúcar do começo do Pro-Àlcool, precisaríamos de
mais 6 milhões de hectares de canaviais, além dos 8 milhões hoje cultivados,
para produzir a safra atual.
Assim, só com grãos e cana preservamos 72 milhões de
hectares, número idêntico à área total cultivada no Brasil com todas as
culturas, e que representa apenas 8,5% do território nacional. Ademais, o
etanol da cana emite apenas 12% do gás carbônico emitido pela gasolina,
mitigando o aquecimento global.
Fica claro que nossa agricultura
é altamente sustentável, e o mundo sabe disso.
E não só a agricultura. Nos
últimos 20 anos, nossa produção de carnes explodiu: 90% em bovina, 238% em
suína e 458% em aves, reduzindo a área de pastagem, que tem sido substituída
por soja, cana e florestas plantadas. Temos 7 milhões de hectares de florestas
plantadas. E, é sempre bom lembrar, 61% do nosso território é coberto com
florestas nativas do tempo de Adão e Eva. A Europa tem menos de 1%.
Outras Tecnologias têm sido incorporadas,
como as do Plano ABC (agricultura de baixo carbono), lançado pelo governo
brasileiro e que dará ainda maior sustentabilidade à atividade, com programas
super importantes, entre eles a integração Lavoura--Pecuária-Floresta, o
plantio direto, a recuperação de pastagens degradadas, a fixação biológica de
nitrogênio ao solo, o plantio de mais florestas.
O segundo fator que justifica a
expectativa da OCDE é a disponibilidade de terras. Além de a agricultura ocupar
apenas 8,5% da área total do País, a pecuária toma outros 20%. Estudos indicam
que ao menos mais 85 milhões de hectares servem para a agricultura, o que
assombra nossos concorrentes de fora, pois já somos os maiores exportadores de
açúcar, do complexo soja, de suco de laranja, de carne bovina e de frangos, e
de café.
Que dirá, pensam eles, se ocuparmos toda essa área vocacionada para o
setor rural. E tratam de criar todas as dificuldades nas organizações mundiais
de comércio, em que defendem subsídios e outras formas de proteção a seus produtores,
inibindo a abertura comercial que nos permitiria crescer.
Não é para menos. Em 2002, as
exportações do agro brasileiro somaram 25 bilhões de dólares. Dez anos depois,
em 2012, chegaram a 96 bilhões. Em 2013, ultrapassaremos os 100 bilhões de dólares.
Mais ainda: o saldo comercial do setor tem crescido sistematicamente e chega a
79 bilhões de dólares em 2012, enquanto o saldo total do País foi de 19
bilhões. Em 2013, o saldo agro deverá superar 85 bilhões, ante 2 bilhões do
total. Isso significa que o agronegócio tem salvado a balança comercial,
sistematicamente. Bom lembrar ainda que ele representa 23% do PIB e gera mais
de um terço de todos os empregos formais.
Infelizmente, daqueles 87 milhões
de hectares potencialmente agricultáveis, pouco mais de 15 milhões poderão ser
hoje incorporados à área plantada. O resto está fechado à atividade por
legislações existentes: são parques nacionais, estaduais e municipais, terras
para indígenas, para quilombolas, reservas legais e áreas de preservação permanente,
entre outras.
E, por último, o terceiro fator a
justificar a expectativa da OCDE/FAO de crescimento de 40% na oferta de
alimentos até 2020 é a alta qualidade de nossos produtores rurais.
Jovens e bem
preparados tecnicamente, eles usam instrumentos cada vez mais modernos de
gestão comercial, financeira, fiscal e tributária, de recursos humanos e
ambiental. Estão ligados em tempo real às informações de mercado ou de clima,
tomando decisões acertadas sobre o que, como e quando produzir, levando o País
a sucessivos recordes de produção.
E é também verdade que planos de
governo bem estruturados no setor de crédito rural, na área de mecanização (o
Moderfrota permitiu a recomposição da frota motomecanizada, completamente
sucateada há pouco mais de dez anos) e os programas de suporte à agricultura
familiar, têm sido relevantes nesses avanços.
Tudo isso nos leva à pergunta
imediata: podemos então crescer os tais 40% imaginados?
Temos potencial para isso e até
mais. Recente trabalho publicado pelo Departamento do Agronegócio da Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Deagro-Fiesp), feito em parceria coma
MBAgro, o Outlook2023, mostra esse potencial.
Segundo o estudo, a área de
grãos, incluindo soja,milho, algodão (base pluma), arroz, feijão e trigo, deve
crescer 18%, de 52 milhões de hectares em 2013 para 61,2 milhões em 2023,
enquanto a produção aumentará 30%.
Isso mostra que a forte expansão será por
ganhos de produtividade, que deve ter um crescimento médio de 10% no período,
resultando na preservação de mais 6,3 milhões de hectares. Já as pastagens
passam a ocupar uma área cada vez mais restrita, liberando para a agricultura
um total de 4,9 milhões de hectares e chegando, em 2023, a 177 milhões de
hectares.
A área agrícola, portanto, crescerá essencialmente sobre as
pastagens, exigindo da pecuária de corte um salto em termos de produtividade
para assegurar a oferta brasileira.
As exportações de grãos
aumentarão 61% em volume, as do complexo sucroal-cooleiro crescerão 21% e as de
café, 19%, até 2023. Já as exportações de carnes devem crescer 23%. Em suma,
ofertar mais 40% é factível.
Naturalmente, isso vai depender
de políticas públicas. Aliás, uma política para o desenvolvimento sustentável
do agro está pronta no Mapa, construída nas Câmaras Setoriais daquele
ministério, nas quais o público e o privado se somaram por vários anos. O
problema é implantar esse plano, pois os instrumentos estão dispersos entre
vários outros ministérios, agências e empresas públicas federais e estaduais.
Precisamos mesmoéde uma
estratégia de Estado para o agronegócio, que considere a questão da logística e
da inf raestrutu-ra, maior gargalo para o setor, e que começa a sair do papel
com as concessões de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos. Para ficar
adequada, todavia, ao menos mais cinco anos serão necessários, o que significa
ainda um longo tormento aos produtores das regiões mais distantes.
Outro tema importante é a
política comercial. Cerca de 40% do comércio mundial de alimentos ocorre em
acordos bilaterais ou áreas de livre comércio e o Brasil não tem avançado
nisso.
Há em andamento um projeto de acordo bilateral entre os Estados Unidos e
a União Européia, para os quais vai uma terça parte de tudo que exportamos do
agro. Se esse acordo acontecer, as tarifas entre eles diminuirão e fatalmente
perderemos mercados.
Temos de fazer acordos com eles e com outros grandes
compradores, inclusive em busca de abertura comercial para exportarmos produtos
com maior valor agregado e não apenas commodities.
Política de renda é também
essencial, especialmente para os pequenos produtores. O seguro rural, existente
desde 2003, cobre apenas 6% da área agricultada, insignificante. E fundamental
avançar célere nesse assunto, assim como na modernização do crédito rural.
Legislações precisam ser
reformadas, como a trabalhista, a ambiental, a tributária e fiscal, a de
armazenagem, a de defesa sanitária e outras muitas que inibem saltos maiores do
agro.
Uma nova molécula de defensivos agrícolas demora até sete anos para ser
aprovada, enquanto, nos países desenvolvidos, demora um ano ou pouco mais. Com
isso, não avançamos mais no quesito sustentabilidade.
Em resumo, esse magnífico setor
pode contribuir bastante para o progresso brasileiro, gerando empregos, renda e
excedentes exportáveis. Mas para isso precisamos de uma estratégia ampla, que,
uma vez montada, permitirá ao Brasil ser o campeão mundial da segurança
alimentar, base indispensável para a conquista definitiva da paz universal.
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2014/01/nao-existe-inseguranca-alimentar-existe.html
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