Cuba: o núncio e a “manchete”
Armando Valladares
Em 25 de agosto pp. o jornal “Lecce News”, da cidade de Lecce, ao sudeste da península italiana, publicava impressionantes declarações do núncio da Santa Sé em Cuba, monsenhor Bruno Musarò, sobre a realidade cubana que se encontrava em visita à região da qual é oriundo.
O núncio Musarò diagnosticou em poucas palavras “as condições de pobreza absoluta e de degradação humana e civil na qual se encontram os cidadãos cubanos, que são vítimas de uma ditadura socialista que os tem subjugados desde há 56 anos”.
“O Estado controla tudo” e “a única esperança de vida para as pessoas é fugir da ilha”, explicou o núncio Musarò, descrevendo a situação de degradação, penúria e opressão dos cubanos. E concluiu dizendo que, inexplicavelmente, “até hoje, transcorrido mais de meio século, continua-se falando e louvando a Revolução, enquanto as pessoas não têm trabalho e não sabem como fazer para dar de comer a seus próprios filhos”.
Três dias depois, na quinta-feira 28 de agosto pp., nos jardins vaticanos se entronizava uma réplica da Virgem da Caridade, padroeira de Cuba, com a presença de seis bispos cubanos que tinham viajado especialmente da ilha-cárcere para essa ocasião, e do ex-secretário de Estado da Santa Sé, cardeal Tarcisio Bertone.
Chamou a atenção o fato de que o núncio Musarò, representante diplomático da Santa Sé em Cuba, que estava na Itália, não tivesse comparecido. A jornalista María García, correspondente na Europa de Martí Noticias, perguntou ao cardeal Bertone sua opinião sobre as palavras do núncio, ao que o cardeal, conhecido por suas posições favoráveis ao regime cubano, respondeu em tom contrariado: “Não conheço esta declaração. Parece-me que os jornalistas exageraram sobre esta declaração. Porém não a conheço, não a conheço”.
O bispo de Santa
Clara, monsenhor Arturo González Amador, tratou de diminuir a importância à
análise do núncio Musarò, dizendo que “comentamos com o embaixador do
Estado cubano ante a Santa Sé e, bem, pois ficou assim, sem maior importância”.
Por sua parte,
monsenhor Emilio Aranguren, também entrevistado nos jardins vaticanos pela
jornalista María García, disse em tom apaziguador: “As [coisas] que
o núncio manifestou são realidades do povo cubano, porém creio que não é para
fazer disso uma manchete”.
Na realidade, o diagnóstico do núncio Musarò sobre a Revolução comunista e sobre o drama do povo cubano subjugado, parece constituir uma “manchete” de não pouca envergadura, se se considera a colaboração eclesiástica com o comunismo cubano nas últimas décadas.
Ainda existem
muitas interrogações em torno do episódio e se poderiam levantar várias
hipóteses. A nunciatura em Havana informou que o núncio retornaria à ilha
depois de passar três semanas na Itália. Aguardemos indícios que eventualmente
sirvam para responder às interrogações que ficaram flutuando no ar.
Armando Valladares, escritor, pintor e poeta. Passou 22 anos nos cárceres políticos de Cuba. É autor do best-seller “Contra toda a esperança”, onde narra o horror das prisões castristas. Foi embaixador dos Estados Unidos ante a Comissão de Direitos Humanos da ONU sob as administrações Reagan e Bush. Recebeu a Medalha Presidencial do Cidadão e o Superior Award do Departamento de Estado. Escreveu inúmeros artigos sobre a colaboração eclesiástica com o comunismo cubano e sobre a “ostpolitik” vaticana à Cuba.
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