Anticíclica.
Como assim?
CELSO MING (OESP)
A política anticíclica chega ao fim quando mais a economia
necessitaria de política anticíclica; O Tesouro, que deveria agora ajudar a
tirar o setor produtivo do mata-burro onde está entalado, não tem mais como ser
espremido.
Ao longo do primeiro governo Dilma
a política econômica tinha orientação anticíclica, garantiram as autoridades da
área. Mas nem a presidente Dilma nem a nova equipe econômica repetem esse
discurso.
A palavra de ordem é “ajuste”, que foi reforçada nesta segunda-feira,
19, pelo anúncio do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de medidas
que devem aumentar a arrecadação deste ano em cerca de R$ 20 bilhões.
O ministro da Fazenda anterior,
Guido Mantega, despediu-se do governo louvando sua política, a que chamou de
Nova Matriz Macroeconômica. Mas os resultados, bem mais próximos do desastre do
que das soluções, deixaram Mantega falando sozinho.
Mas por quê? As políticas
anticíclicas são clássicas. Por que deram errado por aqui?
Elas pressupõem a utilização de
mecanismos que tentam reverter o jogo predominante na economia. O primeiro
grande economista a recomendá-las foi o inglês John Maynard Keynes.
Contra as propostas
liberais, partia do princípio de que as condições da economia são sempre
instáveis e que cabe ao Estado intervir para garantir o funcionamento
equilibrado das forças de mercado.
É a política da formiga: economizar nos
tempos de fartura para garantir o sustento na escassez. O principal erro
tupiniquim é entender que a política anticíclica tem uma só mão de direção:
gastar mais nos tempos de escassez, sem nunca poupar na fartura.
De 2009 para cá, o ministro
Mantega entendeu que o governo precisava deixar a austeridade de lado e abrir
generosamente os cofres para criar demanda e expandir o emprego. E foi o que
tentou colocar em prática.
As despesas públicas cresceram
substancialmente mais do que as receitas, o BNDES obteve repasses de R$ 400
bilhões para azeitar os investimentos, a Caixa Econômica Federal e o Banco do
Brasil foram empurrados ao crédito e, de agosto de 2011 a outubro de 2012, os
juros foram derrubados a 4% em termos reais (descontada a inflação).
As coisas deram errado porque
partiram do entendimento tosco das recomendações keynesianas. Sem
competitividade, a indústria não conseguiu responder com mais produção, mesmo
com desonerações que devem ter ultrapassado os R$ 100 bilhões em 2014.
A
política anticíclica acabou por produzir mercado para a indústria do exterior,
porque as importações saltaram.
O que era para ser um avanço do
PIB de pelo menos 3% ao ano foi um fiasco. Em 2013, a economia cresceu 2,5%; em
2014, ficará no zero a zero; em 2015, não será superior a 0,38%, como apontam
as últimas projeções do mercado aferidas pela Pesquisa Focus, do Banco Central.
Mas não houve desemprego –
argumentou Mantega, na tentativa de justificar suas escolhas. Verdade, há 17
meses, a economia vive o pleno-emprego, o que não deixa de ser uma anomalia
diante da sucessão de PIBs tão fracos.
Ao contrário, a situação de
pleno-emprego é um dos fatores responsáveis pela inflação, como tem apontado o
Banco Central, e séria restrição a um crescimento mais alto. Se o nível de
ocupação é o que se sabe numa situação de avanço do PIB próximo de zero,
imagine o que seria se o avanço fosse de 3,0% ou 3,5% ao ano.
E essa não foi a única distorção
produzida no mercado de trabalho. O IBGE tem apontado para notável crescimento
do segmento dos nem-nem, os que nem trabalham nem estudam – e não estão nem aí.
Os especialistas em Economia do Trabalho ainda se dedicam a entender esse
fenômeno, mas há indicações de que ele foi fortalecido a partir das
transferências de renda (especialmente do Programa Bolsa Família e do
seguro-desemprego). Se a mãezona governo garante o principal no mole, pra que
trabalhar?
A outra deformação foi a disparada
da inflação. Em 2014, fechou perto do teto da meta, nos 6,41%, e, ainda assim,
à custa do represamento dos preços administrados (combustíveis, energia
elétrica e transportes urbanos) e da contenção artificial da cotação do dólar.
O realinhamento dos preços puxará a inflação de 2015 também para níveis
parecidos.
A política anticíclica chega ao
fim quando mais a economia necessitaria de política anticíclica. O Tesouro, que
deveria agora ajudar a tirar o setor produtivo do mata-burro onde está
entalado, não tem mais como ser espremido; o BNDES precisa ser desacelerado; e,
para não entrar em colapso, o governo quer agora abrir o capital da Caixa
Econômica, para ver se encontra interessados em ficar com ações de uma
instituição financeira que até agora foi asfixiada por ativos de qualidade
duvidosa, a ponto de ter de ser socorrida recorrentemente pelo Tesouro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário