Uma defesa da desigualdade
Hélio Schwartsman
São Paulo — Um pouco mais de
igualdade na distribuição de riquezas faria bem a nosso senso de justiça. É
bastante provável também que a redução da desigualdade tornasse as sociedades
mais funcionais. Um mercado interno robusto e mobilidade social são
ingredientes importantes da democracia.
Isso
dito, ponho-me a defender o, vá lá,
capitalismo, de acusações que me parecem exageradas. Um certo espírito
rousseauniano parece ter se apoderado de nossa época, que agora vê a propriedade privada e a economia de mercado como
responsáveis por todos os nossos males. É verdade que elas favorecem a
concentração de riqueza, notadamente de renda e patrimônio, como bem mostrou
Thomas Piketty, uma espécie de profeta, talvez involuntário, desse movimento.
Essa,
porém, é só parte da história. Os mesmos
mecanismos de mercado que promovem a disparidade — eles exigem
certo nível de desigualdade estrutural para
funcionar — são também os
responsáveis pelo mais extraordinário processo de melhora das condições
materiais de vida que a humanidade já experimentou.
Se o
capitalismo exibe o viés elitista da concentração de renda, ele também apresenta a vocação mais
democrática de tornar praticamente todos os bens mais acessíveis, pelo
aprimoramento dos processos produtivos. O próprio Piketty cita o caso das
bicicletas, que, em 1880, custavam seis meses de salário médio. Em 1960 saíam
por menos de uma semana de trabalho.
O
fenômeno, lembra o autor, não está circunscrito a velocípedes. O crescimento
econômico que o mundo conheceu após a Revolução Industrial, escreve Piketty,
fez com que as pessoas passassem a “comer melhor, vestir-se melhor, viajar,
aprender, receber cuidados médicos etc.”. Não tenho nada contra perseguir
ideias de justiça, mas é importante não perder a perspectiva das coisas.
Fonte: Folha de S. Paulo
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