CHUTATÍSTICAS
Jacinto Flecha
Estávamos quatro amigos num carro, saindo de São Paulo
para uma viagem. Enquanto aguardávamos no primeiro semáforo, observamos um
menino exibindo-se como malabarista, com três bolas de tênis lançadas ao ar em
sequência cíclica. No semáforo seguinte, outro menino lidando com quatro bolas
deixou uma cair no chão, quando tentava a manobra de lançá-la por baixo da
perna. Um dos amigos comentou:
— Se usasse ovos, ia chover dinheiro para recompor o
instrumento de trabalho.
Em outro semáforo, um maiorzinho ampliava o fogo de uma
tocha, soprando-a com o álcool que tinha na boca. Mais adiante, outro
equilibrava um bastão em pé sobre o queixo, sustentando um disco na outra
ponta. Travou-se então este diálogo:
— Parece que a meninada de São Paulo virou malabarista
de semáforo.
— Que exagero! Acabamos de passar em frente a um
colégio cheio de meninos que não são malabaristas.
— É claro que estou falando de meninos pobres.
— Mesmo assim. Aqueles dez jogando pelada ali não são malabaristas.
— Está bem. Os quatro malabaristas são 40%, o que não é
pouco.
— Você precisa aprender a calcular. Primeiro tem de
somar os quatro com os dez. No total de quatorze, quatro são 28%, e não 40%.
Tem ainda que descontar...
Assim, de redução em redução, chegou-se a uns 0,2%. E
ainda cairia muito, mas daí em diante a conversa enveredou pela falsidade de
certas “estatísticas” que circulam por aí. Tentarei resumi-la.
O caso da fome no Brasil é um bom exemplo. Quando gente
do governo decidiu enfiar nas contas do distinto público um projeto –
Fomiséria, ou algo assim – chutaram o número de famintos em 30 milhões, 40
milhões, 50 milhões. Esticaram até 53 milhões, um requinte de precisão, ante a
perspectiva de alguém achar exagerado chute de 60 milhões. Milhões surgem ou
desaparecem, e ninguém sabe de onde surgiram nem como sumiram. Quem os apurou?
Qual o método de pesquisa utilizado?
É de se duvidar que alguém saiba, enquanto isso a
ruidosa sanfona publicitária espicha e encolhe (principalmente espicha) ao
gosto do interessado.
A FAO encolheu esse chutômetro estatístico para 18,5
milhões, que também não passa de um evidente exagero. Lula lamentou isso, mas
confessou outro chute sobre vinte e cinco milhões de meninos de rua, lançado
por ele a uma plateia francesa, como se estivesse fazendo uma ótima propaganda
do Brasil... e do seu governo.
Num país que lidera a produção e exportação de
alimentos, não tem sentido atribuir fome a tanta gente. Aliás, o mais provável
é o contrário, pois as estatísticas falam em número crescente de brasileiros
com excesso de peso, especialmente entre a população pobre. Muito mais sensata
é esta estatística jocosa: A metade da população passa fome, a outra metade faz
regime. Só não existe regime sem fome quando ele é inventado por algum
“caça-níqueis”, dá até para somar as duas fomes.
Perguntei a um taxista cearense, em SP, sobre a fome no
Ceará. Ele reagiu:— O que é isso, doutor!? Talvez no Piauí, mas no Ceará não
tem disso não. Para um piauiense, a fome estaria em outro lugar, pois está
sempre lá longe.
Outra estatística – dessas que não se sabe onde, nem
como, nem quem – pendura a mão de obra informal no nível de 60%. Informal, no caso,
significa trabalho sem carteira assinada. Sendo informal, não se sabe como isso
foi computado, pois o informal não costuma deixar documentos contabilizáveis. A
fuga da carteira assinada tem causas bem conhecidas – encargos trabalhistas
acachapantes, impostos extorsivos, desestímulo aos geradores de empregos – mas
evidentemente o número é exagerado, levando a suspeitar que se esconde atrás
dele alguma finalidade inconfessável.
Acompanhei de perto as “chutatísticas” do show
homossexual em São Paulo, aumentando ao ritmo anual de 500.000. Quando estava
próximo do equivalente à metade da população paulistana, alguém desconfiou e se
deu o trabalho de medir o espaço disponível na Av. Paulista (2.500 metros de
comprimento por 50 de largura), e calculou que a lotação máxima (5 pessoas por
metro quadrado) não poderia ultrapassar 600.000 pessoas.
Apesar disso as
“chutatísticas” continuaram aumentando, mas está comprovado que no último show
não passaram de 100.000 espectadores. E os interessados insistem em inflar os
“milhões”. Para quê? Suponho que queiram demonstrar uma força que não têm, para
obter privilégios legais que não merecem.
Inventar ou falsificar estatísticas não é atividade
recente. Sempre se praticou durante as guerras, como afirma o provérbio
conhecido: Em tempo de guerra, boato é como terra. E uma frase espirituosa de
Churchill mostra outro lado do assunto: Eu só acredito nas estatísticas que eu
mesmo falsifico.
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