Os arrastões ideológicos no
Brasil
"E percebeu
que havia uma verdadeira indústria da miséria, de políticos a especialistas
que, como urubus, sobrevivem do caos."
Glerickson tem 14
anos. É um menino inteligente, estudioso, respeitoso com seus pais e observador
atento ao que se passa, principalmente no Rio de Janeiro, onde mora. É pobre e
negro. Seus pais são dona Darcy, doméstica, e Lauro, motorista de ônibus; ambos
cidadãos trabalhadores e moradores de uma comunidade distante da zona sul do
Rio de Janeiro. Deram o máximo para o filho, que sempre esteve na escola e
contou com o amor de seus pais dentro de casa.
Nestes últimos
tempos, Glerickson tem estado em dúvida sobre si mesmo e sobre nossa cidade. Ao
ler as notícias na internet, começou a perceber como funciona o Brasil, e em
específico o Rio. No caso dos arrastões na Zona Sul, ele reconheceu um dos
menores por uma foto, pois tinha estudado com ele. O menor em questão tem o
apelido de Lulinha. Ele também é pobre, negro e filho de dois trabalhadores
corretos. Lulinha, ao contrário de Glerickson, nunca gostou de estudar, nunca
respeitou o próximo, sempre foi um adepto assumido da malandragem carioca, e,
com seus 15 anos, já passou em todas delegacias possíveis, acusado e condenado
por toda sorte de crimes.
Glerickson entrou
no Facebook de Lulinha e viu que o mesmo ‘ostentava’, em fotos, os produtos que
acabara de roubar na zona sul. Cordão, celular, pulseira e relógios.
Embaixo das fotos, comentários de apoio dos amigos e risadas cúmplices de
outros parceiros do crime. Glerickson sentia um pouco de inveja daquela fama
passageira do amigo. Resolveu ir mais fundo e ver outras redes sociais.
No Facebook do
maior jornal carioca, ele descobriu que o amigo era tratado como vítima. Vítima
da polícia militar e vítima da sociedade como um todo. Chegou, inclusive, a
descobrir que ele, por ser negro e pobre, tinha uma espécie de salvo conduto
para o que quisesse diante da imprensa. Era negro e pobre? Ok. Tal qual um
007, você tem licença para matar. A culpa sempre será da sociedade.
E
Glerickson achou tal pensamento, além de totalmente errado, muito racista. Por
que a mídia tinha o direito de generalizar o comportamento de seres humanos
baseado unicamente na cor de suas peles? Glerickson, com uma reflexão básica,
pensou no branquelo Hitler e se revoltou mais ainda com o vitimismo com que
Lulinha e seus parceiros eram mencionados nas matérias.
Glerickson sabia,
pois era observador, que o pobre é quem mais sofre com a violência desenfreada
nas grandes cidades.
Os intelectuais de plantão, os chamados ‘especialistas’,
falam demais e vivem de menos o problema. Glerickson se lembrou de quantas
vezes seus pais, honestos, pobres e trabalhadores, não saíram de casa depois de
tal hora da noite, quantas vezes eles não foram assaltados, quantas vezes eles
perderam o salário do mês inteiro para um cara que não tinha coragem de tirar
uma carteira de trabalho.
Aonde estavam os direitos dos cidadãos, independentemente
de cor e classe social, da cidade onde morava? Será que não valia a pena ser
honesto, perguntava-se.
E a investigação
particular de Glerickson acabou na rede social de um famoso deputado carioca,
Marcelo Freixo, para ler qual era a opinião do parlamentar sobre o assunto.
Achou uma postagem recente, do dia 26 de agosto de 2015, onde se lia ‘Apartheid
carioca’, em referência ao acontecido na África do Sul, onde uma minoria branca
decidia o destino da maioria negra daquele país.
Mais uma vez, o menino
percebeu que era, como negro e pobre, vitimizado por mais uma pessoa, desta vez
um político. Político branco. Rico. Morador da Zona Sul.
E sentiu raiva. Raiva
do parlamentar, por desacreditar todos os negros como se bandido fossem, raiva
por achar que pobreza financeira é sinônimo de vontade de assaltar. Raiva por
ver um sujeito informado como Freixo fingir que não entendia que 99% da
população pobre do Rio de Janeiro é quem sofria nas mãos de ‘meninos’ como
Lulinha e cia.
Os ricos ainda podiam blindar seus carros, podiam ficar, como
seus próprios pais, reféns dentro de um condomínio com grades, podiam viajar
pro exterior para espairecer, podiam desabafar nas redes sociais e, inclusive,
podiam virar políticos para se eleger como paladinos da ‘justiça social’. Quem
defendia
Nenhum comentário:
Postar um comentário