Temor reverencial por
tumores de estimação
Péricles Capanema
Um doente mentalmente saudável tem
horror de seus tumores. Quanto maior a repulsa, mais saudável na cabeça.
Corta. Todos os escândalos nos últimos
anos no Brasil tiveram estatais como pivô. Podem escrever, também o próximo. O
último deles, o petrolão, sai da Petrobrás e da Transpetro, subsidiária
daquela. Bastaria investigar outras estatais, por exemplo, a Eletrobrás e
teríamos o eletrolão; se fosse o BNDES não sei qual nome fantasia poderia ser o
escolhido.
Revelados pelo senador Ronaldo Caiado, vejam os empréstimos feitos
pelo governo Dilma via BNDES no meio da crise aguda de falta de dinheiro e
meçam o disparate: R$ 14 bilhões para Angola; R$ 11 bilhões para Venezuela; R$
8 bilhões para República Dominicana; R$ 7,8 bilhões para Argentina; R$ 3
bilhões para Cuba; R$ 2 bilhões para o Peru; R$ 1,5 bilhão para Moçambique; R$
980 milhões para Guatemala; R$ 795 milhões para o Equador; R$ 755 para Gana; R$
507 milhões para Honduras e R$ 155 milhões para Costa Rica. Imaginem o que
existe aí de favorecimentos.
A estrutura dos repetidos escândalos é
a mesma. Os fornecedores, para continuar trabalhando para a empresa contratante,
a estatal, precisam contribuir por dentro (propinas registradas como doações
legais) e por fora para os partidos que indicam os diretores. Se não
contribuírem (os repasses, em linguagem eufêmica; hoje conhecidos por pixulecos
e acarajés), encontrarão dificuldades, podem até deixar de ser fornecedoras.
Para muitas empreiteiras seria a falência, pois seu único cliente (ou o maior
deles) é o Poder Público. No caso do BNDES muda apenas um ponto, o tomador do
empréstimo; perderia facilidades para o crédito subsidiado se recusasse
encaminhar os repasses para os devidos destinatários. Não custa lembrar, a
principal função dos diretores nomeados por indicação política é fazer caixa
para os partidos. E no caminho da grana, boa parte fica no bolso dos diretores,
de líderes partidários e de intermediários.
No ponto de partida dos escândalos
temos sempre o gigantismo estatal. Atividades econômicas naturalmente da alçada
de particulares são exercidas de forma desastrosa pelo Poder Público.
Seria normal protesto generalizado pela
extinção desse mal. Não o escuto. Ouço, pelo contrário, Pedro Parente, o novo
presidente da Petrobrás, em declaração dispensável: “Não vim para cuidar de
privatização da Petrobras.
Não vou perder tempo com essa questão”. Sou chocado
ainda por afirmações, como a de Rodrigo Janot, de que “roubaram o orgulho dos
brasileiros pela sua Companhia”. Não o meu, nem de muita gente. Tinha
razão Roberto Campos em lhe trocar o nome de Petrobrás para Petrossauro, para
ele, anacronismo pré-histórico dos tempos do estatismo delirante.
É que o uso do cachimbo faz a boca
torta. Desde 1930 a maioria dos governos entre nós tem chamado para si a
principal responsabilidade pela busca de melhores condições de vida para os
brasileiros, em especial os de baixa renda. É certo, precisam mais do apoio
estatal e este, na medida do razoável, deve existir. Mas vão muito além,
chafurdam com delícias nos pântanos do intervencionismo e do estatismo.
Lá atrás, um exemplo, o governo Geisel
impediu a entrada da iniciativa privada no setor do petróleo. A produção
estagnada tornava necessárias as compras de óleo no Exterior. Com o andar do
tempo, a dívida externa chegou a patamares explosivos. Comentou Delfim Netto,
conhece bem o assunto:
“Quem quebrou o Brasil
foi o Geisel. O Geisel era o presidente da Petrobras. Quando houve a crise do
petróleo, as reservas eram praticamente iguais a um ano de exportação, não
tinha dívida. A dívida foi feita no governo Geisel. O Geisel, na verdade, era o
portador da verdade. O Geisel sempre tinha a verdade pronta”.
Algo parecido
aconteceu com a antipatia dos governos petistas à presença do capital privado
na exploração do pré-sal. Jogamos fora a oportunidade, o Brasil não andou para
frente, o governo não pôs na burra bilhões de dólares em impostos. Mais uma
vez, mistura mortal de nacionalismo, esquerdismo e estatismo.
O acima
mencionado Roberto Campos, irônico, acertou que no futuro “campanhas
econômico-ideológicas, como a do "petróleo é nosso", deixarão de ser
descritas como uma marcha de patriotas esclarecidos para serem vistas como uma
procissão de fetichistas anti-higiênicos, capazes de transformar um líquido
fedorento num unguento sagrado.
Foi uma "passeata da anti-razão" que
criou sérias deformações culturais, inclusive a propensão funesta às
"reservas de mercado". É sempre assim, fundadas como solução, as
estatais logo se transformam em focos de inoperância, favoritismo e corrupção.
Lembrei acima, o uso do cachimbo faz a
boca torta. É verdade, cria o costume, daí nasce a mentalidade, que inibe a
busca da solução pelo esforço pessoal. Faz enorme falta entre nós o gosto da
autonomia. E só crescem as sociedades embebidas de autonomia.
Em setores amplos do Brasil, e não
apenas na esquerda, fazem coro também nacionalistas bocós, medra enraizado xodó
pelo estatismo e seu xifópago, o intervencionismo.
A maneira como se referem à
Petrobrás, elidindo a crítica à concepção errada já no começo, evidencia
silêncio obsequioso e até temor reverencial. E, raras as exceções, elas são
focos infecciosos, deitam metástases na sociedade e na política. Anda ainda
muito insuficiente a aversão.
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