sexta-feira, 30 de junho de 2017

Macron e seu trono de duas pernas



Macron e seu trono de duas pernas


Nelson Ribeiro Fragelli


Em outubro de 2016 uma sondagem de opinião do prestigioso instituto francês IPSOS fazia uma revelação: 88% dos franceses estão profundamente insatisfeitos com os rumos do país.

        Em maio deste ano, novo estudo de opinião — o relatório anual do Conselho econômico, social e ambiental (CESE) — agravou ainda mais o ânimo nacional. “Le Monde” (24-5-17) cita trechos desse estudo, revelador do atual pessimismo dos franceses que, desorientados, não sabem o que fazer. Não se mobilizam e se consideram condenados a viver dias ainda piores. O estudo acrescenta que se torna urgente um despertar coletivo.

À guisa de resumo de suas conclusões, o relatório põe em destaque uma frase do socialista histórico Jean Jaurès, pronunciada pouco antes de seu assassinato em 1914: “Há na França, a propósito dos problemas vitais, uma inércia do pensamento, uma sonolência do espírito.” As recentes eleições presidenciais e legislativas confirmam esse diagnóstico.

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         Diante desse quadro, tudo se arranja na política francesa para que o recém-eleito jovem presidente Emmanuel Macron erga a cabeça de seu país entorpecido. O esforço publicitário para apresentá-lo revestido de grandezas passadas é imenso. Jornais e revistas, de esquerda e de direita, apresentam-no vistosamente em uniformes de Napoleão ou sentado com majestade num trono.
         
           Vladimir Putin veio homenageá-lo. O encontro foi no majestático cenário do Palácio real de Versalhes, cujos suntuosos corredores e salões ambos percorreram. Na Galeria das Batalhas eles se cercaram de pinturas magníficas de combates legendários. Quinze séculos de heroísmo os emolduravam, desde Clóvis, vencedor de Tolbiac em 496, até as vitórias de Napoleão em Austerlitz e Wagram. Seriam os dois vivazes políticos, de passado desconhecido, emanações modernas daqueles heróis? A encenação o sugeria. Mas os personagens não cabiam no papel...

         Os jardins de Versalhes acolheram seus passos. Putin, habitualmente inexpressivo, olhava para Macron como um ajudante de ordens poderia olhar seu general após a vitória. E Macron parecia não vê-lo. Fitava o longínquo horizonte em sonhos grandiosos...

         A representação não está convencendo. Apenas eleito, Macron deveria ser confirmado pelo voto popular no primeiro turno das eleições parlamentares, em 11 de junho. Seu partido saiu favorito, mas com o menor número de votos já obtidos por um governo na V República. A abstenção bateu recorde histórico. Não houve o “despertar coletivo” desejado pelo CESE.


         Em 18 de junho deu-se o segundo turno. Novo recorde de abstenção: 57%. Somados aos votos em branco, temos 64% dos eleitores que não se importam com Macron, nem com os rumos da Nação. No dia seguinte, o jornal alemão “Die Welt” escreveu que a encenação tentava pôr Macron no trono de Júpiter, o pai dos deuses. 

Mas, a olhos vistos, não está dando certo. Apesar do pouco caso dos eleitores, Macron obteve maioria parlamentar. Só que seu trono tem apenas as duas pernas de trás. As duas da frente são as dele mesmo.


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