Meio ambiente e agricultura
ameaçados
É fundamental o STF declarar constitucionais os
artigos contestados do Código Florestal
*Evaristo E. de Miranda
Mais de 4 milhões e
275 mil produtores rurais, atendendo às exigências do novo Código Florestal
(Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012), registraram seus imóveis no Cadastro
Ambiental Rural (CAR). Todo esse esforço será jogado no lixo caso o Supremo
Tribunal Federal (STF) acolha alguma das Ações Diretas de Inconstitucionalidade
(ADIs) contra artigos do Código Florestal que devem ser julgadas amanhã em seu
plenário.
O conhecimento
atualizado das áreas efetivamente utilizadas e preservadas pela agricultura nos
imóveis rurais teve um avanço significativo com o advento do CAR, sob a
responsabilidade do Serviço Florestal Brasileiro do Ministério do Meio
Ambiente. As áreas destinadas à preservação da vegetação nos imóveis rurais são
registradas em mapas, eles mesmos delimitados sobre imagens de satélite
com 5 metros de resolução espacial. E não apenas em declarações de
produtores transcritas em questionários, como ocorre nos Censos do IBGE. São
duas consequências principais do CAR, todas positivas para o meio ambiente e o
Brasil.
Em primeiro lugar,
pode-se avaliar de forma circunstanciada a contribuição dos produtores rurais à
preservação ambiental no Brasil. Eles dedicam uma área superior a 176 milhões
de hectares, em média 47,7% de seus imóveis, para a manutenção da vegetação
nativa e da biodiversidade. Isso representa 20,5% do território nacional! Os
resultados quantificados e detalhados por município, microrregião, Estado e
País estão disponíveis, com mapas, no site da Embrapa Monitoramento por
Satélite. E ninguém recebe nada por isso, em que pese os produtores
imobilizarem um patrimônio fundiário estimado entre R$ 3 trilhões e R$ 4
trilhões em prol do meio ambiente. Todas as unidades de conservação (parques,
estações ecológicas, florestas nacionais) protegem 13% do País e os agentes
públicos, para a sua manutenção, recebem muitos bilhões de reais anualmente, do
Brasil e do exterior. Nenhuma instituição contribui tanto para a preservação da
vegetação nativa e da biodiversidade como os produtores rurais.
Em segundo lugar, com
base no CAR estão sendo aplicados os Programas de Regularização Ambiental
(PRAs) nos Estados. Neles, quando necessário, os produtores recompõem, protegem
e compensam áreas para preservação da vegetação nativa e da biodiversidade. Ou
seja, o número de áreas dedicadas à preservação está aumentando e aumentará
ainda mais com a execução do PRA pelos Estados. Todo esse esforço será perdido
caso o STF acolha qualquer uma das ADIs impetradas por promotores do Ministério
Público e membros do PSOL, PV e ONGs. Elas têm o potencial de desestruturar o
conjunto harmônico dessa legislação ambiental.
Anulado o artigo 68 –
que prevê o respeito à lei do tempo, segundo a qual quem desmatou nos séculos
17 ou 19 não está obrigado a recompor a reserva legal, instrumento criado e
generalizado na metade final do século 20 –, teremos milhões de agricultores
vitimados e na ilegalidade, principalmente os pequenos produtores, que
constituem 89% dos estabelecimentos agrícolas. O módulo fiscal como critério
objetivo para adequar as exigências do Código Florestal ao tamanho dos imóveis
rurais também é contestado nas ADIs. Se acolhida a ação, até o crédito rural e
a reforma agrária serão afetados negativamente.
Quem propõe essas
ADIs ignora suas graves e negativas consequências sociais, econômicas e
ambientais. Tenta negar que a elaboração do Código Florestal seguiu um processo
profundamente democrático e inédito, evidente nas mais de 200 audiências
públicas e privadas nas quais foram ouvidos ambientalistas, agricultores,
criadores, pesquisadores, ONGs, juristas e gestores ambientais em todo o País.
E, quando da respectiva votação, o projeto também recebeu um dos maiores apoios
políticos em situações dessa natureza. A primeira versão do Código Florestal
foi aprovada na Câmara por 410 a 63, com votos oriundos de todas as
bancadas; e, no Senado, a aprovação se deu por 59 votos contra apenas 7.
Os ganhos ambientais
advindos do novo Código Florestal foram reconhecidos por todos os que
defenderam a lei na audiência pública que o ministro Luiz Fux organizou no STF,
Ibama incluído. Houve até um reconhecimento internacional na Conferência do
Clima (Paris), inclusive pelas ONGs do Observatório do Código, sobre os avanços
trazidos pelo novo Código Florestal.
Aprovado e praticado
há mais de cinco anos, o Código Florestal trouxe segurança jurídica para os
agricultores e ganhos significativos para o meio ambiente. Não há legislação
ambiental tão exigente em país algum do mundo. Mas, para os proponentes das
ADIs, o objetivo parece ser o de desestabilizar o setor agrícola, os
instrumentos jurídicos legalmente constituídos e destruir o Código Florestal,
cuja construção foi negociada e equilibrada, com ganhos e perdas aceitas ao fim
por todos os interessados. É fundamental que o STF, de uma vez por todas,
declare a constitucionalidade dos artigos contestados e garanta o respeito ao
cumprimento dessa lei, no que os produtores rurais, em sua maioria, têm sido
exemplares. Ajustes numa legislação são sempre possíveis e uma revisão do
Código Florestal está prevista para daqui a quatro anos.
Anulado
o CAR, anulam-se o Programa de Regularização Ambiental e os ganhos ambientais
dele decorrentes, já em curso na maioria dos Estados. Haverá o retorno do caos
jurídico existente antes do Código Florestal, quando quase toda a atividade
agrícola do País estava na ilegalidade. Como afirmou em editorial o
jornal O Estado de S. Paulo (24/4/2017, A3): “O Código Florestal é uma
cabal demonstração de que a democracia funciona e produz avanços. Basta ter o
cuidado de respeitar aquilo que é o seu principal instrumento – a lei, votada e
aprovada pelo Congresso”.
*Doutor em ecologia,
pesquisador da Embrapa
O Estado de S.Paulo - 12 Setembro 2017
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