Alívio, esperanças e
vigilância
Péricles Capanema
Pouco depois das sete horas da noite de domingo, o
Brasil tomou conhecimento de que Jair Bolsonaro estava eleito. Apesar do bombardeamento pró-Haddad dos
últimos dias da campanha, proveniente de todos os setores da opinião que se
publica, a votação consagradora de Bolsonaro evidenciou a exasperação do
sentimento antipetista e antilulista (na opinião que não se publica). Alívio generalizado
– ufa! – a brisa fresca alimentou a esperança de nunca mais termos o pesadelo macabro
que assombrou a nação de 2002 a 2016. Contudo, porcentagem considerável, quase
45%, manteve-se chegada ao avantesma, cujo retorno aterroriza a maioria.
Em linhas muito gerais, de um lado esteve o Brasil que
anseia por crescer, produz, aspira a autonomias e liberdades. Passa além das fronteiras
agrícolas na busca de espaços novos e ultrapassa limites difíceis na vida
pessoal e profissional. Esbanja ânimo, topa enfrentar as agruras da vida, esperançado
encara o futuro.
Convém lembrar rapidamente, é o Brasil que nutre
simpatias pelo princípio de subsidiariedade, quer menos Estado e mais
protagonismo da sociedade. Nesse lado está também o País apavorado com a
desordem, com a violência no campo e na cidade, amigo da família e da
disciplina, religioso em sua maioria. É significativo, no geral as grandes
cidades votaram mais pró-Bolsonaro que os núcleos do interior. É o Brasil do
avanço. No que tem de melhor, mesmo que de forma inexplícita, são setores
atraídos pelo crescimento, pela plenitude.
Vamos ao outro lado. Votou na chapa do PT – PC do B o Brasil que depende do
Estado, acostumado ao clientelismo, agarrado a privilégios injustificados, receoso
da autonomia e da competição. A esse contingente, somaram-se grupos letrados,
enquistados na alta administração (nossa Nomenklatura), no entretenimento, nas
redações, na academia, nas sacristias; também em franjas de clubes grã-finos.
No entretimento, o ambiente contestatário e libertário
alimentou os apoios de Fernando Haddad. Nas sacristias, academia e redações,
além de tal caldo de cultura, a escravidão a ideais coletivistas e igualitários.
Contingente gigantesco que se nutre de mitos, é infecção resistente aos
antibióticos da realidade. No que tem de mais preocupante, é sempre leniente
com as atrofias pessoal e social, presentes nas soluções totalitárias, por
vezes as namora. Como na Venezuela. Representa com autenticidade a vanguarda do
atraso, o Brasil do retrocesso.
De passagem, mais uma vez se revelou atual o livro de
Julien Brenda, primeira edição de 1927, La
trahison des clercs [A traição dos intelectuais], denúncia aguda da misteriosa
propensão que têm os letrados, desde há muito, de se unirem ao que existe de
pior na sociedade – cegos e obstinados companheiros de viagem de correntes
demolidoras; vão até o precipício e nele pulam, juntamente com os fanáticos da
revolução, afundando todos. Foi assim na Revolução Francesa, foi assim na
Revolução Comunista, será assim aqui algum dia, se o povo não se vacinar contra
os vírus que disseminam.
Um reparo. O Brasil simples que depende do Estado não é
majoritariamente esquerdista. Parte importante dele nem sabe o que é esquerda,
precisa sobreviver. Fatia grande dele votou no Andrade por medo do desamparo. Tem condições de ser resgatado do
rumo errado. Ajudado com critério, pode tomar rumo certo.
Acabou a campanha, chegou a hora de pensar feridas, relevar
agravos, procurar a reconciliação. Seria bom que assim acontecesse. Receio que,
se vier, será superficial. As divisões na sociedade brasileira estão
enraizadas. Desmobilização e descuidos serão fatais no lado que venceu as
eleições. No mais profundo, uma parte do Brasil optou pelo crescimento, deseja a
plenitude. A esperança deita nele suas raízes. Outra parte, infelizmente, favorece
o coletivismo, não foge da atrofia. Que Nossa Senhora Aparecida proteja o
Brasil.
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