Bolsonaro pode acabar com 129 processos de demarcação de terra indígena
Áreas em estudo somam 11,3 milhões de hectares, um território superior à
área total de Pernambuco; ameaça também recai sobre demarcações já existentes
André Borges, O Estado de S.Paulo
24 Outubro 2018 | 05h00
BA promessa defendida pelo
candidato Jair Bolsonaro (PSL) de
cancelar qualquer nova demarcação de terra indígena no País
acabaria com 129 processos que hoje estão em andamento, em diferentes etapas,
dentro do governo. Nessas terras vivem cerca de 120 mil indígenas, segundo
dados da Fundação Nacional do Índio (Funai).
Se somadas, as áreas em estudo envolvem 11,3 milhões de hectares, um território
superior à área total de Pernambuco, com seus 9,8 milhões de hectares. Parte
expressiva dessas terras está localizada em regiões afastadas do Norte e
Centro-Oeste do País.
As mudanças propostas por Bolsonaro não
ficariam restritas às novas demarcações de terras. Nos casos das 436 terras
indígenas plenamente reconhecidas – que somam 117 milhões de hectares, 14% do
território nacional –, ele já defendeu em entrevistas que
elas fossem abertas para empreendimentos de infraestrutura, como hidrelétricas,
estradas, ferrovias e atividades de mineração. Nesses casos, a lei
proíbe a construção de projetos que tenham impacto direto em terras indígenas.
Para modificar, seria preciso alterar a Constituição (são necessários três
quintos da Câmara e do Senado para aprovar uma emenda).
Em relação ao cancelamento de
novas áreas, o Ministério Público Federal já se posicionou afirmando que
recorrerá à Justiça caso Bolsonaro interrompa os processos. A presidência da
Funai afirmou, por meio de nota, que “independentemente do resultado das
eleições, a fundação continuará cumprindo sua missão institucional, sempre
respeitando a Constituição e a legislação vigente”. Para o secretário executivo
do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, “o reconhecimento,
a demarcação e a proteção das terras indígenas é um imperativo constitucional”
e uma obrigação do governo federal: “Nenhum governo tem legitimidade para
desrespeitar a Constituição brasileira.”
Caso todos os 129 pedidos fossem
regularizados, as terras indígenas chegariam a 15% dos 851,6 milhões de
hectares do Brasil. Levantamento realizado no início do ano pelo Instituto
Socioambiental (ISA) com a Funai apontou que há pelo menos 40 empreendimentos
de grande porte previstos para cortar essas terras indígenas. São projetos como
as hidrelétricas do Tapajós, no Pará, e a construção da linha de transmissão
entre Manaus (AM) e Boa Vista (RR).
Sem
menção. O plano de governo divulgado por Bolsonaro não faz nenhuma menção
aos índios ou processos de demarcação, mas em diversas ocasiões o candidato do
PSL já deixou clara a sua posição sobre o assunto, ao criticar o que chama de
“indústria da demarcação de terras indígenas”. Bolsonaro prometeu que, uma vez
eleito, “não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”.
A demarcação de novas terras é
uma prerrogativa do Poder Executivo. Cabe exclusivamente ao Ministério da
Justiça, ao qual a Funai é vinculada, dar andamento a esses processos.
O setor produtivo tenta, há anos,
regulamentar o artigo 231 da Constituição, para entrar nas terras indígenas. O
artigo estabelece que os povos indígenas são os detentores de direitos
originários sobre as terras que ocupam e que é competência da União
demarcá-las, mas há pressão para que uma regulamentação da lei permita a exploração
dessas terras, “ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada
participação nos resultados.”
No Congresso, os parlamentares
têm procurado avançar no tema por meio da Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) que retira do Executivo a função de homologar terras indígenas,
transferindo essa função para os parlamentares.
Na semana passada, a Associação
Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) apresentou suas reivindicações
sobre o assunto a Jair Bolsonaro. Eles foram taxativos ao pedir o cancelamento
de demarcação de novas terras indígenas.
Pesquisa
Ontem a índia Ysani Kalapalo, de tribo
do Xingu, foi recebida por Bolsonaro em sua casa no Rio. Ele a recebeu por 15
minutos: “Eu sou uma indígena que pesquisa, que vai atrás. Vim tirar satisfação
com ele em relação aos povos indígenas. Se vê por aí que ele vai metralhar
povos indígenas, que vai desmarcar (terras) indígenas. Hoje ele me confirmou
que não vai fazer nada disso. O que ele disse é que o que está demarcado vai
continuar demarcado.” / COLABOROU
MÁRCIO DOLZAN
Nenhum comentário:
Postar um comentário