segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Lições inesperadas da China



Lições inesperadas da China

Péricles Capanema

Bret Stephens, reputado colunista, em 29 de novembro escreveu no New York Times, a China declinará rapidamente, como aconteceu com o Brasil. O jornalista lembrou, em 2009 o The Economist previu um novo poder global, o Brasil, que logo estaria na quinta posição econômica do mundo, ultrapassando Reino Unido e França. E São Paulo seria a quinta cidade mais rica do mundo. Foram palavras vazias do semanário inglês; hoje o Brasil patina para sair do que talvez seja a pior recessão de sua história.

Vai suceder parecido com a China, avisa Stephens. E faz uma boutade, tendo como pano de fundo o conhecido adágio “Quos vult Jupiter perdere, prius dementat” (Júpiter, a quem quer perder, antes enlouquece). Na versão de Stephens: “Os deuses, quando querem destruir um país, enaltecem-no antes como país do futuro”. Recorda, foi assim com União Soviética nas décadas de 50 e 60, Japão nos anos 70 e 80, União Europeia nos anos 90 e na primeira década do século 21.

Bret Stephens alinha razões para o declínio chinês. A primeira delas, a liberalização econômica é insuficiente, o controle estatal é enorme. Isso nunca dá certo. Segunda, realidade largamente oculta, existem milhões de trabalhadores forçados (escravos, em outra linguagem). O articulista recorda como sintoma gritante mensagem desesperada encontrada em bolsa vendida pela Walmart, confeccionada numa prisão de Yingsham no sul da China: ali os detentos padecem 14 horas diárias de trabalho, entremeadas de surras. Depois de afirmar que tiranias não favorecem o progresso econômico (lembra que em 2020 o controle estatal chinês será minucioso), o jornalista norte-americano empilha outros dados que fundamentam sua previsão de declínio chinês.

Em 2014, estimativa do grupo suíço UBS, fuga de capitais de 324 bilhões de dólares. 2015, 676 bilhões. 2016, 725 bilhões. O que é isso? Medo do futuro. Mais, a dívida pública e privada é gigantesca: 34 trilhões de dólares. Outros sintomas: 46% dos chineses ricos querem emigrar, a maioria para os Estados Unidos. Mais uma vez, insegurança quanto ao futuro. Finalmente, põe em dúvida a credibilidade de estatísticas chinesas, ningué conhece ao certo o que acontece lá. Termina prognosticando, a China é tigre ferido. E poucas vezes um tigre ferido é plácido.

O ataque ao modelo chinês veio de jornalista Prêmio Pulitzer (2013), antes colunista do Wall Street Journal, agora no New York Times. O governo chinês julgou necessária resposta contundente. Escalou para o contra-ataque Ding Gang, articulista do Diário do Povo, jornal oficial do Partido Comunista chinês, o que ele fez, publicando crítica ácida no Global Times.

Interessam-nos especialmente as razões da diferença entre o Brasil e a China, destacadas pelo chinês. Fala de cátedra: “Trabalhei na Europa, Estados Unidos, Ásia e América do Sul por quase vinte anos. Morei no Brasil por três anos e sei bem por que a economia brasileira se enfraqueceu”.

Segundo o virtual porta-voz do PCC, a razão principal é o sistema de crenças diferente dos dois países. Ao explicar, esmiuçar os motivos, falará em cultura e tradição. De modo diverso, costumes baseados em princípios. Nada mais tradicional enquanto análise, passa longe do marxismo, mas foi a única justificação plausível encontrada por ele para fazer frente ao bombardeio de Stephens.

Afirma o membro do PCC: “Talvez os brasileiros e o autor [Stephens] acreditem no mesmo deus [em minúscula no texto], mas este não é, de forma alguma, aquele deus em quem os chineses creem. O deus mencionado por Stephens não é funcional para a China, nem existe no sistema de crenças do povo chinês”.

Entra na análise: “Por que o Brasil nunca teve um sistema manufatureiro forte e sofisticado? Mais, por que decaiu e caminha no rumo oposto?”.  Isto é, aos poucos deixa de ser país industrializado e volta a ser fornecedor de matéria-prima. Responde: “Não é questão de economia ou de instituições, é de cultura”.

Trombeteia: “Os brasileiros não são aplicados nem trabalham duro como os chineses. E nem poupam para a geração seguinte, como os chineses. Apesar disso, querem para si os mesmos benefícios sociais existentes em países desenvolvidos”.

Melhorando, a educação chinesa tradicional forma pais preocupados com o futuro dos filhos, gerações habituadas ao trabalho, que não se agarram ao Estado. A educação brasileira moldaria pessoas preguiçosas, que almejam viver de benesses estatais, torna os pais irresponsáveis.

Ding Dang então alardeia: “A cultura dominante no Brasil faz o país inadequado para a economia manufatureira. Sem industrialização, é impossível o desenvolvimento sustentável. Por isso, o Brasil depende de matérias-primas e commodities”. E pontifica sobre o motivo principal para a pobreza do Brasil: “é a tradição cultural do país”. Para ele, Bret Stephens esqueceu dois pontos em seu olhar sobre a China: cultura e tradição. E são os aspectos principais no raciocínio econômico. O desenvolvimento chinês tem como base a tradição cultural chinesa e estimulará o desenvolvimento das potencialidades do país.

Para que o país se industrialize, resume Ding Gang, a cultura é o fator mais importante. “Isto inclui como o povo considera o trabalho, a situação da família, a educação das crianças e a acumulação da riqueza”. Família, educação infantil, formação de patrimônio. O que trará, com o tempo, garante ele ainda “felicidade familiar e pessoal”. De passagem, reconhece o óbvio, mas não se importa: “Pode parecer racista diferenciar tipos de desenvolvimento com base na cultura”.

Vida morigerada, hábitos de poupança, responsabilidade familiar, educação infantil séria. Em suma, sanidade da família, cadinho da cultura nacional, o grande fator de progresso de um povo. Para Ding Gang, a China não fracassará porque a tem. E o Brasil já fracassou, porque não a tem ou tem pouco. Se Ding Gng atormentasse o leitor com embaralhados argumentos marxistas, todo mundo ia achar que era apenas mais uma saraivada de disparates. Fundamentou sua defesa em terreno diverso, o que é muito revelador. De passagem, se um conservador brasileiro escrevesse sobre o mesmo assunto um décimo do que o comunista chinês apregoou, receberia pedradas de todos os lados. Como é comunista chinês quem escreveu, garanto já de saída, todos vão se calar.


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