Lições inesperadas da
China
Péricles Capanema
Bret Stephens, reputado colunista, em 29 de novembro escreveu
no New York Times, a China declinará
rapidamente, como aconteceu com o Brasil. O jornalista lembrou, em 2009 o The Economist previu um novo poder
global, o Brasil, que logo estaria na quinta posição econômica do mundo,
ultrapassando Reino Unido e França. E São Paulo seria a quinta cidade mais rica
do mundo. Foram palavras vazias do semanário inglês; hoje o Brasil patina para
sair do que talvez seja a pior recessão de sua história.
Vai suceder parecido com a China, avisa Stephens. E
faz uma boutade, tendo como pano de
fundo o conhecido adágio “Quos vult
Jupiter perdere, prius dementat” (Júpiter, a quem quer perder, antes
enlouquece). Na versão de Stephens: “Os deuses, quando querem destruir um país,
enaltecem-no antes como país do futuro”. Recorda, foi assim com União Soviética
nas décadas de 50 e 60, Japão nos anos 70 e 80, União Europeia nos anos 90 e na
primeira década do século 21.
Bret Stephens alinha razões para o declínio chinês. A
primeira delas, a liberalização econômica é insuficiente, o controle estatal é
enorme. Isso nunca dá certo. Segunda, realidade largamente oculta, existem
milhões de trabalhadores forçados (escravos, em outra linguagem). O articulista
recorda como sintoma gritante mensagem desesperada encontrada em bolsa vendida
pela Walmart, confeccionada numa prisão de Yingsham no sul da China: ali os
detentos padecem 14 horas diárias de trabalho, entremeadas de surras. Depois de
afirmar que tiranias não favorecem o progresso econômico (lembra que em 2020 o
controle estatal chinês será minucioso), o jornalista norte-americano empilha outros
dados que fundamentam sua previsão de declínio chinês.
Em 2014, estimativa do grupo suíço UBS, fuga de
capitais de 324 bilhões de dólares. 2015, 676 bilhões. 2016, 725 bilhões. O que
é isso? Medo do futuro. Mais, a dívida pública e privada é gigantesca: 34
trilhões de dólares. Outros sintomas: 46% dos chineses ricos querem emigrar, a
maioria para os Estados Unidos. Mais uma vez, insegurança quanto ao futuro. Finalmente,
põe em dúvida a credibilidade de estatísticas chinesas, ningué conhece ao certo
o que acontece lá. Termina prognosticando, a China é tigre ferido. E poucas
vezes um tigre ferido é plácido.
O ataque ao modelo chinês veio de jornalista Prêmio
Pulitzer (2013), antes colunista do Wall
Street Journal, agora no New York
Times. O governo chinês julgou necessária resposta contundente. Escalou para
o contra-ataque Ding Gang, articulista do Diário do Povo, jornal oficial do
Partido Comunista chinês, o que ele fez, publicando crítica ácida no Global Times.
Interessam-nos especialmente as razões da diferença
entre o Brasil e a China, destacadas pelo chinês. Fala de cátedra: “Trabalhei
na Europa, Estados Unidos, Ásia e América do Sul por quase vinte anos. Morei no
Brasil por três anos e sei bem por que a economia brasileira se enfraqueceu”.
Segundo o virtual porta-voz do PCC, a razão principal
é o sistema de crenças diferente dos dois países. Ao explicar, esmiuçar os
motivos, falará em cultura e tradição. De modo diverso, costumes baseados em
princípios. Nada mais tradicional enquanto análise, passa longe do marxismo,
mas foi a única justificação plausível encontrada por ele para fazer frente ao bombardeio
de Stephens.
Afirma o membro do PCC: “Talvez os brasileiros e o autor
[Stephens] acreditem no mesmo deus [em minúscula no texto], mas este não é, de
forma alguma, aquele deus em quem os chineses creem. O deus mencionado por
Stephens não é funcional para a China, nem existe no sistema de crenças do povo
chinês”.
Entra na análise: “Por que o Brasil nunca teve um
sistema manufatureiro forte e sofisticado? Mais, por que decaiu e caminha no
rumo oposto?”. Isto é, aos poucos deixa
de ser país industrializado e volta a ser fornecedor de matéria-prima.
Responde: “Não é questão de economia ou de instituições, é de cultura”.
Trombeteia: “Os brasileiros não são aplicados nem
trabalham duro como os chineses. E nem poupam para a geração seguinte, como os
chineses. Apesar disso, querem para si os mesmos benefícios sociais existentes
em países desenvolvidos”.
Melhorando, a educação chinesa tradicional forma pais
preocupados com o futuro dos filhos, gerações habituadas ao trabalho, que não
se agarram ao Estado. A educação brasileira moldaria pessoas preguiçosas, que almejam
viver de benesses estatais, torna os pais irresponsáveis.
Ding Dang então alardeia: “A cultura dominante no
Brasil faz o país inadequado para a economia manufatureira. Sem
industrialização, é impossível o desenvolvimento sustentável. Por isso, o
Brasil depende de matérias-primas e commodities”. E pontifica sobre o motivo
principal para a pobreza do Brasil: “é a tradição cultural do país”. Para ele, Bret
Stephens esqueceu dois pontos em seu olhar sobre a China: cultura e tradição. E
são os aspectos principais no raciocínio econômico. O desenvolvimento chinês
tem como base a tradição cultural chinesa e estimulará o desenvolvimento das
potencialidades do país.
Para que o país se industrialize, resume Ding Gang, a
cultura é o fator mais importante. “Isto inclui como o povo considera o
trabalho, a situação da família, a educação das crianças e a acumulação da
riqueza”. Família, educação infantil, formação de patrimônio. O que trará, com
o tempo, garante ele ainda “felicidade familiar e pessoal”. De passagem,
reconhece o óbvio, mas não se importa: “Pode parecer racista diferenciar tipos
de desenvolvimento com base na cultura”.
Vida morigerada, hábitos de poupança, responsabilidade
familiar, educação infantil séria. Em suma, sanidade da família, cadinho da
cultura nacional, o grande fator de progresso de um povo. Para Ding Gang, a
China não fracassará porque a tem. E o Brasil já fracassou, porque não a tem ou
tem pouco. Se Ding Gng atormentasse o leitor com embaralhados argumentos
marxistas, todo mundo ia achar que era apenas mais uma saraivada de disparates.
Fundamentou sua defesa em terreno diverso, o que é muito revelador. De
passagem, se um conservador brasileiro escrevesse sobre o mesmo assunto um
décimo do que o comunista chinês apregoou, receberia pedradas de todos os lados.
Como é comunista chinês quem escreveu, garanto já de saída, todos vão se calar.
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