Afinidades desconcertantes... mas
coerentes
Gregorio V. Lopes
A consonância entre
esquerda e banditismo não revela nexos apenas em nossos dias; se analisarmos as
revoluções ao longo da História, sempre encontraremos o mito da igualdade como
fundamento para essa consonância. Um jovem meditativo.
O jovem com o qual entabulei uma dessas conversas ocasionais,
na sala de espera do dentista, era bastante intuitivo. De tal modo que suas
palavras logo beliscavam nervos sensíveis da trama da vida, sem usar frases
feitas nem se atrelar às costumeiras injunções da mídia.
Entretanto, a falta de experiência própria da idade não lhe
permitia avaliar bem a importância das coisas que percebia. Não atinava dar uma
explicação para aquilo que ele mesmo via; não uma explicação qualquer de
algibeira, mas uma resposta de larga visão, que raspe o fundo do problema, para
além da mera política — a metapolítica, na expressão cara ao Prof. Plinio Corrêa
de Oliveira.
Talvez por isso, depois de um algum tempo de conversa, ele
disparou de modo direto e sem maiores lapidações a pergunta que o tornava
inquieto:
— Por que existe tanta afinidade entre a esquerda e os
bandidos e terroristas?
Tomado de surpresa, titubeei um pouco, e ele aproveitou minha
hesitação para completar:
— Essas levas de migrantes na Europa estão cheias de
terroristas e, entretanto, todos os Prelados e governos de esquerda ou
assemelhados os acolhem sôfregos, mesmo contra o sentir das populações; os sovietes de Lenine, quando tomaram o poder
na Rússia em 1917, faziam sua movimentação de rua utilizando bandidos e
predadores dos bens alheios; a Revolução Francesa de 1789 arrebanhava gente da
pior espécie para seus motins tumultuários contra a Religião e contra o Rei; as
FARC, o MST, as ONGs de esquerda, os traficantes, todos se beneficiam de altas
proteções oficiais ... tudo parece fazer parte da mesma panela.
Só então, provocado
por aquela questão borbulhante, pude precisar algo que estava confuso em minha
mente. Tentei explicá-lo ao meu jovem interlocutor, talvez interesse também ao
leitor.
O princípio capital que está na origem das esquerdas de todos
os matizes é a igualdade. Foi em nome dela que Lutero se insurgiu contra a
supremacia que Jesus Cristo concedera ao Papa na Igreja; que Danton, Marat e
Robespierre se levantaram contra a instituição da Realeza e a Igreja Católica,
não hesitando para isso em utilizar a guilhotina como arma de guerra; que os
socialistas utópicos construíram suas quimeras; que Lenine e seus bolcheviques
declararam guerra à burguesia.
É em nome da igualdade, ainda hoje, que a esquerda açula o
quanto pode o povo simples e cordato contra os que conservam alguma preeminência
social, política ou econômica. A própria misericórdia vem sendo aproveitada
como cobertura para a ideia de que é preciso acabar com a diferença entre
nacionais e imigrantes, entre países ricos e países pobres.
A ideia fundamental dessa pregação, dizia eu ao meu
interlocutor, é que toda desigualdade é uma injustiça, porque necessariamente
os que se sobressaem, em qualquer campo, sempre o fazem à custa dos outros.
A desigualdade é uma culpa coletiva, uma espécie de pecado
original da sociedade, que só pode ser redimido pela implantação da igualdade
total, seja por meio de leis, de pressão ou à custa de sangue. Quem sobressai
em relação aos outros, independentemente de suas intenções, é um pecador
público, sempre culpado, que deve ser derrubado de sua posição e apedrejado.
Mas, veja bem meu caro, dizia eu, não se trata apenas de
combater as desigualdades aberrantes e antinaturais, como as de imperadores e
potentados pagãos que se consideravam deuses, ou, hoje em dia, de artistas e
futebolistas que viram nababos da noite para o dia.
Mesmo as hierarquias santas e as desigualdades harmônicas e
proporcionais, tão defendidas pela doutrina da Igreja Católica e tão benéficas
para a sociedade, essas mesmas devem ser repudiadas, pelo simples fato de serem
desigualdades.
As críticas que a esquerda costuma fazer ao capitalismo não
se devem a este ou àquele defeito que o regime apresenta nesta ou naquela nação
em concreto. Falhas ou abusos reais existem e até podem ser utilizados como
pretexto para a increpação. Mas a verdadeira razão é que o capitalismo, ao
manter a instituição natural da propriedade privada, conduz à desigualdade.
Por isso é preciso um socialismo que impeça absolutamente os
mais capazes, ou mais esforçados, ou mais favorecidos pelas circunstâncias de
alcançar um nível de vida melhor que o dos outros.
Nessa concepção, a luta de classes prospera: há os
capitalistas de um lado, e de outro os marginalizados (postos à margem dos
lucros e dos bens), entre estes os pobres, mas também os bandidos.
Daí o fato de que, há já algum tempo, a esquerda pôs em
circulação a palavra “marginal” para designar o bandido. Ou seja, o criminoso
não seria culpado pelo seu crime, não teria responsabilidade moral, mas a culpa
recairia sobre a sociedade capitalista por tê-lo marginalizado. Posto em
situação de inferioridade, ele naturalmente se revolta, pois a condição normal
seria a igualdade total.
Mais recentemente foi cunhada também a expressão “excluídos”,
tão cara à CNBB, com o mesmo significado: aqueles que foram excluídos da mesa
do capital.
É claro que há diferentes graus e modalidades de esquerda.
Não cabe aqui elaborar um tratado sobre o assunto. Mas, na medida em que alguém
é autenticamente de esquerda (e não um simples oportunista ou enganado), levado
por seu igualitarismo, sente afinidade profunda, ainda que subconsciente, com
todas as categorias de “marginalizados”, mesmo os bandidos ou terroristas,
citados pelo meu jovem interlocutor.
Enquanto o grosso da população está preocupada em defender-se
dos bandidos, e não em facilitar sua tarefa, a esquerda deseja a proibição da
compra e venda de armas e munições para os homens honestos. Essa própria
distinção entre honestos e bandidos desagrada profundamente a quem se entregou
ao igualitarismo esquerdista.
A fisionomia
inteligente e atenta do meu interlocutor estimulava minha loquacidade. À medida
que eu lhe falava, recordei-me da seguinte descrição que o Prof. Plinio Corrêa
de Oliveira fez das disposições malsãs de um esquerdista típico em face dos
criminosos:
"Quem você chama de criminoso é uma
vítima. Sabe quem é o criminoso verdadeiro? É o proprietário. Sobretudo o
grande proprietário. Principalmente este é que rouba o pobre. Seu crime social
é de uma maldade sem nome! [...] Um governo consciente de suas obrigações tem
por dever desmantelar a repressão e deixar avançar a criminalidade. Pois esta
não é senão a revolução social em marcha. Todo assassino, todo ladrão, todo
estuprador não é senão um arauto do furor popular” (“Quatro dedos sujos e feios”, in Folha de S. Paulo, 16/11/1983).
Outra fonte de desigualdades, talvez a mais importante, é a
família. Por isso a esquerda quer destruí-la, começando por equipará-la a toda
e qualquer forma de união espúria.
O dentista me chamou. Desta vez o manuseio bucal foi rápido.
Ao sair, notei o meu jovem interlocutor profundamente pensativo. Não quis
interromper sua meditação e ele nem me viu quando passei pela sala.