Farms here, forest there
Nada é mais cômodo do que viver convencido de que certas
coisas não podem ser discutidas, pois são a verdade em estado definitivo. É o
que está acontecendo hoje com a questão ambiental pelo mundo afora —
especialmente no Brasil.
Ficou decidido pela opinião pública internacional e nacional que o Brasil
destrói cada vez mais as suas florestas — por culpa da agropecuária, é claro.
Terra que gera riqueza, renda e imposto é o inferno. Terra que não produz nada
é o paraíso. Fim de conversa.
Os fatos mostram o contrário, mas e daí? Quanto menos fatos alguém tem a seu
favor, mais fortes ficam as suas opiniões.
Ninguém imagina, pelo que se vê e lê todos os dias, que a área de matas
preservadas no Brasil é mais do que o dobro da média mundial. Nenhum país do
mundo tem tantas florestas quanto o Brasil — mais que a Rússia, que tem o dobro
do seu tamanho, e mais que Canadá e Estados Unidos juntos. Só o Parque Estadual
da Serra do Mar, em São Paulo, é duas vezes maior que a maior floresta primária
da Europa, na Polônia.
Mais que tudo isso, a agricultura brasileira ocupa apenas 10%, se tanto, de
todo o território nacional — e produz mais, hoje, do que produziu nos últimos
500 anos. Não cresce porque destrói a mata. Cresce por causa da tecnologia, da
irrigação, do maquinário de ponta. Cresce pela competência de quem trabalha
nela.
Como a agricultura poderia estar ameaçando as florestas se a área que cultiva
cobre só 10% do país — ou tanto quanto as terras reservadas para os
assentamentos da reforma agrária? Mais: os produtores conservam dentro de suas
propriedades, sem nenhum subsídio do governo, áreas de vegetação nativa que
equivalem a 20% da superfície total do Brasil. Não faz nenhum sentido.
Não se trata, aqui, de dados da "bancada ruralista" — foram
levantados, computados e atualizados pela Embrapa, com base no Cadastro
Ambiental Rural, durante o governo de Dilma. São mapas que resultam de fotos
feitas por satélite. São também obrigatórios — os donos não podem vender suas
terras se não estiverem com o mapeamento e o cadastro ambiental em ordem.
Do resto do território, cerca de 20% ficam com a pecuária, e o que sobra não
pode ser tocado. Além das áreas de assentamentos, são parques e florestas sob
controle do poder público, terras indígenas, áreas privadas onde é proibido
desmatar etc. Resumo da ópera: mais de dois terços de toda a terra existente no
Brasil são "áreas de preservação".
O fato, provado por fotografias, é que poucos países do mundo conseguem tirar
tanto da terra e interferir tão pouco na natureza ao redor dela quanto o
Brasil. Utilizando apenas um décimo do território, a agricultura brasileira de
hoje é provavelmente o maior sucesso jamais registrado na história econômica do
país.
A última safra de grãos chegou a cerca de 240 milhões de toneladas — oito vezes
mais que os 30 milhões colhidos 45 anos atrás. Cada safra dá para alimentar
cinco vezes a população brasileira; nossa agricultura produz, em um ano só, o
suficiente para 1 bilhão de pessoas.
O Brasil é hoje o maior exportador mundial de soja, açúcar, suco de laranja,
carne, frango e café. É o segundo maior em milho e está nas cinco primeiras
posições em diversos outros produtos.
O cálculo do índice de inflação teve de ser mudado para refletir a queda no
custo da alimentação no orçamento familiar, resultado do aumento na produção. A
produtividade da soja brasileira é equivalente à dos Estados Unidos; são as
campeãs mundiais.
Mais de 60% dos cereais brasileiros, graças a máquinas modernas e a tecnologias
de tratamento do solo, são cultivados atualmente pelo sistema de "plantio
direto", que reduz o uso de fertilizantes químicos, permite uma vasta
economia no consumo de óleo diesel e resulta no contrário do que nos acusam dia
e noite — diminui a emissão de carbono que causa tantas neuroses no Primeiro
Mundo.
Tudo isso parece uma solução, mas no Brasil é um problema. Os países ricos
defendem ferozmente seus agricultores. Mas acham, com o apoio das nossas
classes artísticas, intelectuais, ambientais etc., que aqui eles são
bandidos.
A consequência é que o brasileiro aprendeu a apanhar de graça. Veja-se o caso
recente do presidente Michel Temer — submeteu-se à humilhação de ouvir um pito
dado em público por uma primeira-ministra da Noruega, pela destruição das
florestas no Brasil, e não foi capaz de citar os fatos mencionados acima para
defender o país que preside. Não citou porque não sabia, como não sabem a
primeira-ministra e a imensa maioria dos próprios brasileiros. Ninguém, aí,
está interessado em informação.
Em matéria de Amazônia, "sustentabilidade" e o mundo verde em geral,
prefere-se acreditar em Gisele Bündchen ou alguma artista de novela que não
saberia dizer a diferença entre o Rio Xingu e a Serra da Mantiqueira. É
automático. "Estrangeiro bateu no Brasil, nesse negócio de ecologia? Só
pode ter razão. "
Nada explica melhor esse estado de desordem mental do que a organização
"Farms Here, Forests There" (fazendas aqui, florestas lá) atualmente
um dos mais ativos e poderosos lobbies na defesa dos interesses da agricultura
americana. Não tiveram nem a preocupação de adotar um nome menos agressivo — e
não parecem preocupados em dar alguma coerência à sua missão de defender
"fazendas aqui, florestas lá".
Sustentam com dinheiro e influência política os Green¬peaces deste mundo,
inclusive no Brasil. Seu objetivo é claro. A agropecuária deve ser atividade
privativa dos países ricos — ou então dos mais miseráveis, que jamais lhes
farão concorrência e devem ser estimulados a manter uma agricultura
"familiar" ou de subsistência, com dois pés de mandioca e uma
bananeira, como querem os bispos da CNBB e os inimigos do
"agronegócio".
Fundões como o Brasil não têm direito a criar progresso na terra. Devem
limitar-se a ter florestas, não disputar mercados e não perturbar a
tranquilidade moral das nações civilizadas, ecológicas e sustentáveis. E os
brasileiros — vão comer o quê? Talvez estejam nos aconselhando, como Maria
Antonieta na lenda dos brioches: "Comam açaí".
*Artigo originalmente recebido pela Correio Cosag. – Fonte Abag
J.R. Guzzo - colunista da VEJA
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