Dilma Rousseff e o impasse diplomático brasileiro
Paulo A. Paranaguá
O alívio com a reeleição de Dilma
Rousseff, no domingo (26), é perceptível em Caracas, Havana, La Paz e até
Buenos Aires, que recebem apoio de Brasília, às vezes além do razoável. Se
existe um domínio reservado de Brasília que foi criticado pela oposição, esse é
sua política estrangeira.
A legítima ambição de se sentar à
mesa dos grandes levou a diplomacia brasileira a se deixar levar pelos Brics
(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o acrônimo que designa as
potências emergentes. Só que a preocupação de poupar Moscou resultou em uma
atitude no mínimo leve diante da crise da Síria e na Ucrânia. Os brasileiros,
desde sempre apegados à intangibilidade das fronteiras, não reagiram à anexação
da Crimeia, manifestamente contrária ao direito internacional.
No entanto, uma das fantasias do
nacionalismo brasileiro se concentra na Amazônia: há quem veja na vasta reserva
dos Yanomami, na fronteira com a Venezuela, uma ameaça de secessão, em nome do
direito à autodeterminação e dos direitos dos povos indígenas. E o território
amazônico do Acre, comprado da Bolívia em 1903 por 2 milhões de libras,
tampouco está a salvo de um pedido de devolução. O que diriam os diplomatas
brasileiros que aceitaram sem titubear o funesto destino da Crimeia?
Aos escorregões na defesa dos
direitos humanos e às complacências com os autocratas da América Latina e de
outros lugares, é preciso acrescentar o isolamento no qual o Brasil foi se
fechando aos poucos. Apesar das cúpulas dos Brics, da Copa e dos encontros
regionais, a diplomacia de Brasília é um fracasso. Por ter apostado tudo na
Organização Mundial do Comércio (OMC), os brasileiros se viram sem nada, nem
acordos regionais, nem a esperada abertura comercial com a conclusão da Rodada
Doha. A Índia, justamente uma das "aliadas" dos Brics, jogou a OMC em
um impasse.
Desprezo
O Mercosul, união aduaneira
sul-americana, está em fase terminal, reduzida a um clube sem substância.
Freada pelas prevaricações protecionistas da Argentina, a perspectiva de um
acordo com a União Europeia, assunto recorrente, vai ficando cada vez mais
distante. No meio tempo, a Aliança do Pacífico, lançada pelo México, pelo
Chile, pela Colômbia e pelo Peru, avançou mais em dois anos do que o Mercosul
em 25.
Diante das grandes negociações
transatlânticas e transpacíficas, o Brasil se encontra em um perigoso dueto com
a China, ávida por matérias-primas, o que pode acelerar a desindustrialização
brasileira. Um terceiro-mundismo anacrônico e um antiamericanismo automático
afastaram os brasileiros de seus mercados e de seus aliados, os Estados Unidos
e a Europa.
Ao descontentamento suscitado no meio
empresarial de São Paulo agora se junta a insatisfação dos diplomatas
brasileiros. O ex-presidente Lula havia aberto as portas do instituto Rio
Branco, uma escola de excelência que forma diplomatas, e aumentado o número de
representações no exterior. Dilma Rousseff, cujo desprezo por diplomatas é
conhecido por todos, reduziu os créditos e deixou muitos formados sem posto.
Agora não são mais os embaixadores aposentados os porta-vozes da dissonância do
setor, mas sim diplomatas em exercício que não hesitam em manifestar aquilo que
se pode chamar de rebelião. A ferramenta diplomática, até então a mais
eficiente da América Latina, está à beira da estagnação.
Independentemente da inapetência de
Dilma Rousseff pela política externa, ela precisará se decidir por uma
reorientação, por razões tanto políticas quanto econômicas. A recessão só está
começando, a economia brasileira não vai se recuperar tão cedo, 2015 corre o
risco de ser um ano de grande tensão. Então não é o momento de se deleitar em
um esplêndido isolamento nem de continuar a ver na imensidão do mercado interno
a panaceia para todas as dificuldades. A diversificação dos mercados e das
exportações de forte valor agregado deve vir acompanhada de uma inserção
voluntarista nas cadeias de valor transnacionais.
As mudanças previstas na equipe da
presidente brasileira e o remanejamento do governo vão facilitar a reorientação
necessária. Depois de ter enfrentado os Estados Unidos no caso de espionagem da
Agência Nacional de Segurança (NSA) americana e cancelado a visita oficial
prevista para 2013, Dilma Rousseff deverá finalmente ir a Washington. O
reaquecimento das relações entre os dois gigantes do Norte e do Sul das
Américas não é incompatível com uma retomada das negociações com a UE, sem
esperar um entendimento prévio ou uma oferta comum com Buenos Aires.
Brasília deverá revisar sua
geopolítica regional, e perceber que a Colômbia ultrapassou a Argentina em
todos os domínios e que o verdadeiro parceiro latino-americano à altura das
expectativas brasileiras é o México. O dia em que as duas chancelarias deixarem
de lado suas rivalidades, a dupla Brasil-México poderá finalmente exercer um
papel equivalente ao motor franco-alemão da UE. Isso, é claro, contanto que a
integração regional da América Latina vá algo além de uma retórica para os
brindes de jantares oficiais. A ideologia
já fez estragos o suficiente.
Uol
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