Os temores do campo
JOÃO
MARTINS DA SILVA JUNIOR*
O
ano de 2015 se encerrou com as mesmas notícias com que já estamos ficando
acostumados: a economia retraiu-se, a inflação elevou-se, a indústria encolheu
e o desemprego aumentou. Nesse cenário desalentador, só a agropecuária seguiu
crescendo, produzindo mais, exportando mais e gerando US$ 80 bilhões de
superávit.
Se as previsões dos analistas econômicos se confirmarem, 2016
repetirá a mesma história. Será possível que, numa economia em crise
generalizada, um setor isolado continue se expandindo sem ser afetado pelo
ambiente ao seu redor?
Isso
só seria possível se nosso setor de produção rural fosse uma espécie de enclave
econômico, operando no território do País, mas com a produção voltada quase
exclusivamente para os mercados externos. Exemplos dessa natureza podem ser
encontrados em países produtores de petróleo ou outros minerais, cujas cadeias
produtivas têm pouca integração com sua economia interna. O que se passa com a
agricultura e a pecuária do Brasil é muito diferente.
Apesar
de sermos hoje um dos três maiores fornecedores de alimentos para o mundo, com
presença dominante numa lista de mercados que inclui a soja, café, suco de
laranja, carnes bovina, suína e de frango, açúcar, algodão, tabaco, além de
investidas promissoras em mercados como os de milho, frutas e lácteos, a
verdade é que a produção rural brasileira é predominantemente voltada para o
mercado interno.
Além
disso, nossa estrutura de produção é altamente diversificada, produzindo
centenas de produtos exclusivamente para o consumo nacional. A produção rural
brasileira não é um enclave exportador, mas surgiu e cresceu para atender ao
mercado interno e graças à sua produtividade e a seus custos competitivos
exportou excedentes e conquistou os mercados mundiais.
Para
que a agricultura e a pecuária do Brasil possam seguir crescendo é
absolutamente necessário que o País supere a crise que está vivendo. Caso
contrário, o setor também será arrastado para as dificuldades que hoje atingem
tão duramente a indústria e o setor de serviços.
Se o desemprego e o declínio
da renda familiar se mantiverem por mais tempo, o resultado natural será a
contração do mercado interno, com pressão sobre os preços, em atividades cujas
margens de lucro já são muito estreitas na maioria dos casos.
A
maior parte dos produtos da nossa agricultura é destinada exclusivamente ao
mercado doméstico e não poderá compensar a retração das vendas externas com a
exportação. Quanto aos outros produtos com tradição exportadora, o aumento dos
saldos exportáveis poderá pressionar ainda mais os preços externos, que já
estão em trajetória declinante faz algum tempo.
Um
possível colapso de algumas atividades produtivas atingirá especialmente os
produtores mais vulneráveis, desorganizando estruturas produtivas longamente
construídas, com inevitáveis reflexos sociais. Como é uma atividade sazonal,
dependente do curso das estações, a agropecuária tem pouca capacidade de
adaptação aos ciclos econômicos.
Se
a crise brasileira nos atemoriza quanto à demanda, a história não é menos
assustadora em relação à oferta. A moderna agropecuária do País, que teve
início nos anos 70 do século passado, é um empreendimento essencialmente
privado.
O Estado teve sua parte, em especial na produção do conhecimento
científico e tecnológico, por meio da excelência singular de nossas
universidades rurais e da experiência pioneira da Embrapa, bem como na montagem
de um sistema eficiente de crédito rural.
Foi
a iniciativa privada que transformou os campos do sul do Brasil e ocupou os
vastos cerrados improdutivos que predominavam em grande parte de nosso
território. Foi trabalho de pioneiros, portadores de experiência profissional
na produção e capazes de empreender e assumir riscos tremendos.
Povoaram
grandes vazios, sem os confortos das cidades e sem a menor infraestrutura, numa
aventura pessoal que merece justo registro na História moderna do Brasil.
A
eficiência do setor privado excedeu, em muito, a competência do Estado
brasileiro. Assim, os resultados de grande parte da produção são afetados pela
carência quase absoluta de infraestrutura. Não temos rodovias, ferrovias,
hidrovias ou portos para escoar a produção a custos minimamente razoáveis. Os
custos logísticos recaem sobre o produtor e o consumidor doméstico.
Por
mais que os produtores aumentem sua produtividade, com pesados investimentos
dentro das fazendas, seus lucros estão cada vez menores e os preços aos
consumidores são maiores do que poderiam ser. O Estado brasileiro encontra-se,
há muito, em situação quase falimentar e não tem sequer uma fração dos recursos
necessários aos investimentos que precisam ser feitos.
Esta
é uma realidade que não podemos disfarçar com a retórica fútil das ideologias
políticas. Só o setor privado pode construir e operar a infraestrutura que
precisamos. Mas a incompetência dos órgãos estatais, capturados pela baixa
política, e a aversão ideológica ao capitalismo e ao setor privado ou retêm
mais encargos do que ele pode suportar ou impedem que os processos de concessão
cheguem a termo.
Enquanto
os preços externos estavam anormalmente elevados, todas as deficiências puderam
ser ignoradas. Agora que a realidade bate à nossa porta, quem vai pagar o preço
da imprevidência? Mais uma vez, não será
o Estado abstrato, mas os produtores e
consumidores, gente de carne e osso.
Até
agora, a produção rural tem sobrevivido à crise geral do Estado e da economia
brasileira. Infelizmente, nosso sentimento é que esta crise vai afetar a
agricultura e a pecuária, se durar mais tempo. A paisagem política, porém, não
nos deixa margem para muita esperança.
O poder político, entre nós, parece
aspirar apenas à sua própria sobrevivência, sem mais nenhum propósito de
resolver os problemas verdadeiros do País e das pessoas. É o que nos dá razão
de sobra para temer pelo futuro.
* JOÃO MARTINS DA SILVA JUNIOR É
PRESIDENTE DA CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL (CNA)
Fonte OESP
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