Escorraçar marajás a
vassouradas
Péricles Capanema
Jânio Quadros (1960) e Fernando Collor de Mello (1989)
se elegeram despregando a bandeira do combate à corrupção. Fácil de compreender,
o assunto irrita pronto, o eleitor logo se sente lesado e responde no voto. Votos
de protesto, “contra tudo o que está aí”.
“Varre, varre, vassourinha / Varre, varre a
bandalheira / Que o povo já tá cansado / De sofrer dessa maneira / Jânio
Quadros é a esperança desse povo abandonado / Jânio Quadros é a certeza de um
Brasil moralizado / Alerta, meu irmão / Vassoura, conterrâneo.”
O “caçador de marajás” calcou a mesma tecla. “Essa
vidinha tão boa / Vai terminar / Olha que tá chegando o homi / caçador de
marajá.” Marajá, para quem não sabe, era o funcionário público privilegiado,
altos salários, estabilidade, férias garantidas e prolongadas.
Deixo o passado, volto à eleição do México no último
1º de julho. Existem pontos importantes ainda a tratar, podem ajudar a
compreender a confusão da situação brasileira.
As denúncias da corrupção generalizada elegeram Andrés
Manuel López Obrador (AMLO) no México, desaguou nele o voto “contra tudo o que
está aí”, establishment político, conluios, roubalheira, violência. Contou ainda
a promessa de acabar com a impunidade. Como no caso de Jânio e de Collor.
Três anos depois de fundado, o MORENA (Movimento de Regeneração
Nacional) conquistou a Presidência da República, conseguiu maioria na Câmara e
no Senado, a prefeitura da Cidade do México. Das oito eleições estaduais,
venceu em quatro.
Para vencer, o MORENA quis ter aliados à direita.
Uniu-se ao PES (Partido do Encontro Social), agrupação ancorada na chamada
direita evangélica, conservadora em temas morais e sociais (família, aborto, casamento
homossexual). Em seu primeiro discurso, o presidente eleito tranquilizou: “Não
agiremos de forma arbitrária, não haverá confiscação nem expropriação de bens.
Erradicar a corrupção e a impunidade será a missão principal do novo governo.” Palavras
anestesiantes. Quem pode ser a favor da corrupção? Quem quer a impunidade?
Caso AMLO coloque ênfase nas medidas propriamente de
esquerda, mesmo no terreno moral, como favorecimento do casamento homossexual,
facilidades para o aborto, dificuldades maiores para a família tradicional, o
povo o rejeitará. Por quê? A eleição favoreceu a esquerda, é verdade, mas não evidenciou
migração da opinião pública para a esquerda.
Mostrou apenas que não teme favorecê-la para obter o
que deseja. Caiu a rejeição à esquerda nesta eleição, sem aumentar o apoio e a
simpatia. Continuando frágil a sustentação esquerdista, AMLO tem pouco espaço
de manobra, precisará pisar em ovos para não se isolar. E medidas muito
radicais lançarão rapidamente a opinião pública contra ele.
Futuro? Dependerá de como vai reagir o povo mexicano.
Mas não só. Não convém irritar em
demasia o vizinho do Norte, para lá vão 80% das exportações mexicanas. Tem a
respeito proposta potencialmente explosiva: a aproximação com a China. Obrador manifestou
intenção de investir 5% do PIB em infraestrutura (a porcentagem atual é 2,6%). Não
existe dinheiro. Saída: “A China está
muito interessada em investir em projetos mexicanos”. Caminhará por aí? Como
reagirão os Estados Unidos?
Em resumo, o programa do novo governo será sempre retroceder
no rumo da esquerda na economia, nos costumes, nas leis. Dois fatores podem minorar
o desastre: reações vivas nos Estados Unidos e na opinião pública interna.
Falava do Brasil. Aqui também a eleição pode ser
resolvida com base na exasperação justa contra a corrupção e a violência, na
ânsia de que acabe a impunidade. Não custa lembrar, apenas 15% dos homicídios
têm autoria esclarecida. No roubo à mão armada, de 1 a 2%. A mais, estima-se
que a maioria dos assaltados nem vá à delegacia, sabe que não vai adiantar
nada. A elucidação do crime do colarinho branco está no mesmo patamar.
Três lições: eleição de Jânio, de Collor e de Obrador.
É pouco, para dizer o mínimo, votar apenas com esteio na exasperação emocional
contra a corrupção, violência e impunidade, contra “tudo o que está aí”. Moral
da história, escorraçar marajás a vassouradas pode até ser bom começo, mas não garante
porto seguro.
Faltam três meses para aportar, o barco está na
tempestade. Se houver desorientação na hora de escolher o porto, teremos retrocessos
pela frente. Como no México, mesmo com a opinião pública com fortes traços
conservadores, por falta de rumos, o povo pode acabar sufragando o populismo, a
demagogia, candidatos de esquerda.
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