Governo pode devolver terras desapropriadas para antigos
donos
OESP
BRASÍLIA - O governo Jair Bolsonaro prepara um mutirão para
fechar acordos de conciliação com fazendeiros que questionam na Justiça a
tomada de suas terras para a reforma agrária. São casos em que os proprietários
defendem que o espaço é produtivo e não deveria ser desapropriado ou argumentam
que receberam pouco pelos terrenos. Secretário de Assuntos Fundiários do
Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia, afirma que o objetivo é
iniciar a investida ainda neste semestre. Com isso, será possível “destravar”
investimentos no campo e a reforma agrária de Bolsonaro, diz ele.
O governo espera que as conciliações permitam, por exemplo,
a devolução de uma terra desapropriada, ou parte dela, aos fazendeiros. Há
casos em que a disputa judicial se arrasta há décadas e envolve milhões,
segundo Nabhan.
Aliado de Bolsonaro desde a campanha e um de seus principais
conselheiros na área rural, Nabhan é presidente licenciado da União Democrática
Ruralista (UDR), que rivaliza com o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-terra (MST).
O secretário afirma que seu alinhamento aos ruralistas não
vai enviesar os acordos e nega que haja intenção de beneficiar produtores
rurais, grupo que apoia o Planalto. Segundo ele, com o mutirão, o governo
espera resolver dois problemas: reduzir o acúmulo de litígios com proprietários
de terra e a falta de dinheiro em caixa para realizar novos assentamentos.
Ao fechar um acordo, diz o secretário, o governo vai
recuperar recursos que foram depositados em juízo pela União para a compra do
terreno em disputa. Além disso, a parte da propriedade que será, enfim,
desapropriada pode se tornar assentamento para famílias que aguardam na fila do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Nabhan reconhece que muitos terrenos abrigam famílias em
situação irregular e “invasores”. Por isso, ele diz que os acordos vão
priorizar terras nas quais não existam pessoas acampadas. O secretário sustenta
que a intenção do governo é resolver os litígios sem confrontos. “Vai ter
reintegração de posse. Mas o objetivo é que a família seja acomodada em outro
lote, desde que cumpra requisitos previstos em lei”, diz.
Apesar do plano, Nabhan diz que ainda é preciso um acerto
com a equipe econômica para garantir recursos mínimos para o começo do mutirão.
Não há estimativa oficial de famílias acampadas no País – e que poderiam ser
beneficiadas pela iniciativa. O MST calcula em 80 mil. Nabhan diz que o número
é menor, mas que o governo ainda faz cálculos.
Trâmite. A Constituição permite à União desapropriar imóveis
rurais e declarar, por meio de decreto, o interesse social da terra para efeito
de reforma agrária. Neste processo, o Incra ajuíza ação de desapropriação, após
depositar em juízo uma indenização calculada pelo órgão. Os laudos de vistoria
e a indenização podem ser contestados administrativamente ou judicialmente pelo
proprietário.
As famílias que pleiteiam terras começam, em geral, como
acampados. Depois, se cumprirem requisitos, são assentadas enquanto aguardam a
propriedade definitiva da área. Os assentamentos do Incra ocupam 88 milhões de
hectares de terra. O governo Bolsonaro estima que 25% dessa área está sendo
ocupada, na verdade, por famílias que descumprem os requisitos necessários,
como produzir regularmente. Esse espaço poderia abrigar pessoas que aguardam na
fila do Incra.
Na avaliação do secretário, a política de reforma agrária do
governo não acirrará conflitos no campo. Ele observa que houve queda de
ocupações devido à postura mais dura contra invasões. “De janeiro para cá, as invasões
acabaram”, afirma ele.
A mesma rigidez, argumenta, é aplicada pelo governo em casos
de invasões feitas por fazendeiros e madeireiros em terras já concedidas. “Se
tiver algum proprietário que diga ‘votei no Bolsonaro’, se o terreno está
improdutivo, vai ser desapropriado”, afirma ele.
Timidez. Das cerca de 975 mil famílias que estão assentadas
hoje no País, só uma parcela pequena recebeu o documento que dá direito à
propriedade definitiva da terra, segundo o Ministério da Agricultura. No
Nordeste, por exemplo, só 5% das famílias assentadas têm o título final. O
documento dá às famílias acesso a linhas de créditos para a agricultura
familiar.
Em julho, o Incra lançou a “Operação Luz no Fim do Túnel”
para emitir 25 mil títulos de propriedade definitiva até o final do ano. Nabhan
classificou o número como “tímido”. Segundo ele, a meta é entregar 600 mil
títulos de terra até o final do mandato de Bolsonaro, sendo 200 mil
definitivos.
Ao Estado, Nabhan reclamou da lentidão do Incra. Disse que a
operação é um ponto de divergência “democrática” com o presidente do órgão,
general Jesus Corrêa. Sem citá-lo, mandou recados. Disse que, se preciso,
trocaria um general por “um técnico” no comando do Incra. “O general não é
Deus. Na nossa ótica, é um cidadão como qualquer outro”, disse.
Despejo. Coordenadora nacional do MST, Kelli Mafort diz que
espera um esclarecimento “técnico” da proposta. “A meu ver, não resolve o
problema, mas aumenta o conflito, porque desconsidera os possíveis
beneficiados, que são as famílias”, afirma. Segundo ela, na maioria das vezes,
em terras desapropriadas onde não há ninguém acampado existe explicação: as
pessoas foram despejadas por ordem judicial e migraram para margens das
estradas.
Ela observa que, pela legislação, áreas classificadas como
improdutivas no período em que ocorreu a desapropriação não podem estar na mesa
de negociação. “Essa medida (mutirão) pode esbarrar na lei vigente”, afirma.
“Se não estiver cumprindo a função social, a terra tem de ser arrecadada para a
reforma agrária”, diz ela.
Kelli afirma que o número de acampamentos improvisados após
a eleição de 2018 caiu, mas que, nos últimos meses, o MST identificou uma
retomada devido ao desemprego à crise econômica. “Tem família chegando aos
acampamentos depois que passou a fase do medo, do discurso raivoso do
Bolsonaro”, avalia. “São pessoas que não conseguem pagar o aluguel, colocar
comida na mesa”.
4 PERGUNTAS PARA LUIZ ANTÔNIO NABHAN GARCIA, secretário de
Assuntos Fundiários
1. O senhor não teme que a proposta de mutirão seja
interpretada como “pegadinha” para favorecer fazendeiros?
Pegadinha, como? Pelo contrário. Não tem dinheiro. Não é
para beneficiar produtor, pelo contrário. Aquele depósito feito há 10, 15 anos
volta aos cofres do governo.
2. Há muitos acampados que participam de movimentos sociais,
inclusive do MST…
Estamos preocupados em atender aquelas famílias que foram
vítimas de uma ilusão.
3. Mas quem vai definir se a família está de acordo com a
legislação para ser assentada?
O órgão técnico, no caso, o Incra. Ele que vai lá fazer uma
seleção. Agora, no Incra não vai ter mais líder do MST fazendo o que quer. Vai
ter um técnico. Se tiver um general lá dentro do Incra que está fugindo da
parte técnica, ele vai embora e dará lugar a um técnico. Aí vamos ter outro
programa de reforma agrária. Qual o objetivo? Transformar o cara em produtor
rural.
4. Como o senhor avalia a proposta em tramitação no
Congresso de permitir a compra de terras por estrangeiros?
A visão deste governo é que precisa ter um freio nessa
situação, um olhar mais direcionado aos interesses do Brasil. O mundo inteiro
está de olho no País.
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