segunda-feira, 28 de maio de 2018

Primeira e mais competitiva agricultura tropical




Já está comprometido o nosso futuro

Péricles Capanema

O Direito Penal considera culposa conduta em que seja evidenciada negligência, imperícia ou imprudência. E dolosa a conduta em que esteja presente a má intenção. O leitor, no fim do artigo, julgue como classificaria posições abaixo caracterizadas.

Recebi de médico amigo texto elucidativo de José Batista Pinheiro, coronel da reserva (não o conheço). A matéria me prendeu a atenção bem mais que final de Copa do Mundo, o Brasil jogando. Não sou especialista no tema ventilado – a gigantesca expansão do agronegócio no Brasil – nem conheço bem os acontecimentos narrados.

Só sei que houve o barateamento dos alimentos e o setor tem sido a salvação da economia do Brasil – anos a fio. Apenas digo, os fatos constantes no mencionado escrito, relatados com minúcias, são verossímeis. Têm efeito pedagógico.

O alto oficial conta que – provavelmente por ter ouvido boas referências – o presidente Ernesto Geisel quis conversar com Alysson Paulinelli, jovem secretário da Agricultura de Minas Gerais. Professor em Lavras, o engenheiro agrônomo Paulinelli ali teve brilhante carreira universitária. Geisel se impressionou com as concepções expressas no encontro e fez dele seu ministro da Agricultura (1974-1979).

Agora é o coronel que escreve: “[Paulinelli] chamou o presidente da adormecida Embrapa, Irineu Cabral, e o diretor de Recursos Humanos Eliseu Alves e estabeleceram o rumo das ações. Não queremos cientistas para resolver problemas da ciência, mas para resolver os problemas da produção da nossa agricultura.

“Pegaram uma verba de US$200 milhões e escolheram nas melhores universidades brasileiras 1.600 recém-formados e os mandaram fazer mestrado ou doutorado nas melhores universidades do mundo: Califórnia nos Estados Unidos, França, Espanha, Índia, Japão e outras.

“Plantaram a semente da maior ‘revolução’ na agricultura já realizada na América Latina. Eliseu Alves que havia chegado dos Estados Unidos com bagagem mundial como cientista e como gestor de ciência e tecnologia assumiu a presidência da Embrapa e implantou as linhas de trabalho:

“1) criou 14 centros de pesquisa em 14 regiões do País para pesquisar 14 produtos [...] soja em Londrina e em todo o Paraná, mandioca e fruticultura em Cruz das Almas na Bahia [...] gado de corte em Campo Grande e seringueira em Manaus. 2) Criou 4 centros de pesquisas de recursos genéticos para o cerrado, em Brasília. [...] Trinta anos depois, explodiu a agricultura brasileira.”

Em apenas um campo, a agropecuária, o ensino e a pesquisa executados de forma sistemática, séria e inteligente, geraram esse efeito espetacular.

Fui então procurar o que comentava a respeito o próprio Alysson Paulinelli. Em janeiro de 2011, notava ele: “Não somente o governo federal criou a Embrapa, mas também 17 Estados ou criaram ou fizeram evoluir as suas já tradicionais instituições de pesquisas, num esforço sem precedente, cujos resultados não demoraram a aparecer.

“Pode-se dizer que, em menos de 30 anos aqui, se desenvolveu a primeira e mais competitiva agricultura tropical do globo. O País, mesmo com as dificuldades financeiras pelo acúmulo das três crises, teve a lucidez de acreditar que os investimentos em ciência e tecnologia valeriam a pena.

“Antes de desperdício poderia ser essa a solução de tantos e infindáveis problemas de um Brasil que necessitava se afirmar, e não se curvar diante das ameaças. De País consumidor de alimentos mais caros do mundo, na década 70, que chegava a consumir quase a metade da renda média familiar só em alimentação, chegamos aos anos 2 mil com um dos mais baratos alimentos do mundo, conforme prova o Ipea em sua última pesquisa sobre custos com alimentação, onde esse gasto não passa de 13,6% da renda familiar.

“De país receptor ou importador de alimentos à custa da conta café, produto tropical que dominávamos, passamos a ser exportador de comida, fibras, outras matérias-primas agrícolas, óleos e até da energia renovável que o mundo tanto necessita.

“Criamos em 30 anos uma nova e competitiva agricultura tropical. [...] O agricultor, aqui, para o nosso cidadão urbano desinformado (ou, intencionalmente, mal informado), continua como o vilão de toda a história, como um eterno latifundiário, explorador de mão-de-obra, caloteiro e aproveitador ou destruidor dos nossos recursos naturais.

“Numa verdadeira fúria legiferante, procura imputar ao produtor nacional todas as culpas, crimes e responsabilidades por todos os males e tormentas climáticas que nos assolam.

“Arbitram-lhes multas impagáveis ou penas insuportáveis, numa ansiedade de justificar sua insanidade estranhamente criada pelos benefícios que receberam em redução de preços de seus alimentos, pela qualidade melhor dos produtos.
“[...] Esse tem sido o preço que o produtor rural brasileiro está pagando por gerar quase US$ 60 bilhões anuais líquidos para nossa balança comercial. [...] Os 24 anos de apagão que viveu a Embrapa são injustificáveis, pois ela só não sucumbiu nesse período de martírio porque tinha e tem uma sinergia própria, convincente, o que não ocorreu com as 17 instituições estaduais de pesquisas que hoje estão em verdadeira penúria”.

O que tivemos foi um bem-sucedido esforço de enorme aperfeiçoamento de capital humano. O resto veio como consequência. Por que tal fórmula não foi estendida a outros setores da sociedade? Por que foi deixada de lado? Culpa? Dolo?

Saiu há pouco a lista do IMD (International Institute for Management Development) sobre os países mais competitivos do mundo. É índice respeitado, avalia a facilidade para empreender, o estímulo para trabalhar, a liberdade e decência no mundo da produção. O país mais competitivo do mundo são os Estados Unidos (por alguma razão é a primeira potência mundial há décadas, quiçá mais de um século).

No segundo lugar está Hong Kong. O terceiro, Cingapura. Quarto, Holanda. Quinto, Suíça. Décimo-terceiro, pasmem, China comunista. O primeiro país latino-americano que aparece na lista é o Chile (35º). Depois México (51º), Peru (54º). O Brasil aparece na 60º posição. No ano passado estava na 61ª, subiu uma casa. Melancólico.

O fato apresenta relação próxima com dados há pouco publicados pelo PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) do IBGE. Indicam que falta de alto a baixo o que se viu intensamente nos homens e mulheres que elevaram o agronegócio brasileiro ao patamar em que hoje plaina. Respigo alguns.

Dos 48,5 milhões de pessoas que tinham entre 15 e 29 anos em 2017, 11,2 milhões, 23% do total, não trabalham, não estudam e não se qualificam. No ensino médio, apenas 68% dos estudantes estavam na etapa necessária e na idade esperada, apesar das facilidades de aprovação.

Em 2017, 7,2% da população com mais de 25 anos não tinha instrução; 33,8% não tinham o fundamental completo. Em resumo, 41% da população adulta é analfabeta funcional. Sabem escrever o nome, mas não conseguem ler e compreender manuais de instrução. É mão de obra não apenas com baixa qualificação, tornou-se em grande parte inqualificável.

Dados semelhantes podem ser despejados sem fim, mas vou parar por aqui. Tal desastre que compromete o futuro nacional, ocorreu por negligência? Imperícia? Imprudência? Ou houve dolo? Havia ciência de que a tragédia poderia vir e nada ou quase nada foi feito para evitá-la? O leitor julgue agora com seus botões. Um dia o tribunal da História pronunciará seu veredito. Deus, sobretudo.


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