Evaristo de Miranda examina o território passível de
ocupação agrícola na região, reservas legais e características locais para
concluir que, mais do que em outras áreas de Cerrado, ali as lavouras cumprem
papel relevante na conservação do bioma.
A
primeira iniciativa para garantir a preservação do cerrado no Brasil foi a
criação de áreas protegidas. Agora, cabe à agricultura assegurar o futuro do
bioma e de sua biodiversidade. Essa tendência é especialmente verdadeira no
MATOPIBA, região geoeconômica de 73 milhões de hectares, com 91 % de área
coberta por vegetação de cerrado, englobando partes do Maranhão, Tocantins,
Piauí e Bahia. Ali, há investimentos privados e recentes políticas públicas
voltadas para o desenvolvimento sustentável.
Nos
cerrados brasileiros, as áreas protegidas totalizam 12%. No MATOPIBA, elas
representam 17%. Em nenhuma outra região geoeconômica com essa vegetação
existem tantas áreas protegidas. Esse valor é 42% superior à média nacional de
áreas protegidas nos cerrados. São 42 unidades de conservação e 28 áreas
demarcadas como terras indígenas.
A
ocupação do MATOPIBA é antiga: começou no século 17, intensificou-se com a
criação pombalina da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e
culminou com o desenvolvimento agroindustrial de São Luiz, no século 19. Boa
parte dos babaçuais resulta dessa antropização secular, marcada pelo uso do
fogo. Ela prosseguiu no século 20 com cidades, estradas, infraestruturas
logísticas, atividades energético mineradoras, barragens etc. Ganhou impulso
com a construção da Belém-Brasília, da Transamazônica e da ferrovia Carajás -
São Luiz.
Até
2002, 20% dos cerrados do MATOPIBA estavam antropizados, ou seja transformados
pelo homem. Em 2009, chegou-se a 26%, segundo o Projeto de Monitoramento do
Desmatamento dos Biomas Brasileiros por Satélite do Ministério do Meio
Ambiente. Os dados apontam crescimento anual da ordem de 1% das áreas
antropizadas desde 2002. A taxa está bem abaixo do crescimento anual da
população e da economia regional. Entre 2008 a 2009, por exemplo, o bioma
perdeu 0,37% de sua cobertura vegetal remanescente (7.637 km2).
A
agricultura é parte da antropização. A expansão da produção de grãos no
MATOPIBA cresceu nas últimas décadas. Pela primeira vez, desde o século 19, em
2015, o Nordeste produziu mais alimentos do que o Sudeste: 18,6 milhões de
toneladas de grão (arroz, feijão, milho, soja...), segundo a Conab e o IBGE. O
MATOPIBA é o responsável por tal desempenho. Ali a ocupação agrícola mais
intensiva não é sinônimo de desmatamento. Estudos de sensoriamento
remoto realizados entre 2002 e 2010, mostraram que "grande parte da
expansão da agricultura ocorreu em locais previamente desmatados, indicando a
utilização de áreas já antropizada", sobretudo pela pecuária, na produção
de alimentos.
Nas
áreas de expansão da agricultura, o Código Florestal determina uma reserva
legal de vegetação de 20% nas regiões de cerrados. Tal percentual aumenta para
35% quando esse tipo de vegetação se encontra na Amazônia Legal. É o caso de
60% da área do MATOPIBA. Essa exigência, além dos 19% já preservados de forma
absoluta nas áreas protegidas, estende potencialmente essa proteção para mais
de 11 milhões de hectares ou 28% da área total. Se toda a cobertura de cerrados
do MATOPIBA na Amazônia Legal (32 milhões de hectares) fosse, um dia, ocupada
apenas pela agricultura, o que está muito longe de ser o caso, mais de 11
milhões de hectares seriam preservados nas áreas de reserva legal (28%). No
restante, os 20% de preservação dos cerrados em imóveis rurais potencialmente
representam 4,6 milhões de hectares e 17 da área total.
Existem
potencialmente mais cerrados a serem preservados como reserva legal das
propriedades rurais do que em todas as áreas protegidas existentes no MATOPIBA.
Assim, legalmente, apenas 59% da cobertura de cerrados do MATOPIBA são
passíveis de ocupação. Dos 41% restantes, 17% já são áreas protegidas. E a
exigência de manter a vegetação em áreas de reserva legal representa mais 24%
do total. Isso, caso um dia tudo fosse ocupado pela agricultura. Graças ao
Código Florestal, qualquer que seja o cenário futuro, áreas agrícolas no
MATOPIBA cumprem e cumprirão o mais relevante papel na preservação. Isso se
deve à extensão de cerrados preservados no interior dos imóveis, à ampla repartição
espacial e à conexão ecológica viabilizada entre os blocos isolados de áreas
protegidas pelas fazendas. No MATOPIBA, como em outras regiões, a salvação dos
cerrados está na lavoura.
Fonte: Correio Braziliense, 10/11/2015
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