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Índios acusam procurador de
incitar invasões de terras em MS
23/04/2019 10h47 - Por: Valéria Araújo
Índios da aldeia Bororó afirmaram em depoimento à Polícia Civil que as
invasões ocorridas em julho de 2017 em terras próximas a reserva indígena de
Dourados, aconteceram "a mando" do procurador da República Marco
Antônio Delfino de Almeida. As lideranças se posicionaram contra as tentativas
de "retomada" por grupo da aldeia Jaguapiru, alegando emprego de
violência. O conflito que até então era entre sitiantes e indígenas, se tornou
à época, entre patrícios das duas principais aldeias de Dourados.
O fato ocorreu durante a ocupação na Chácara Morada do Sol, quando pelo
menos dois sitiantes ficaram feridos. De acordo com o capitão interino da
Bororó, o indígena Silvano da Silva Duarte, a invasão ocorreu por um grupo
denominado "Retomada", formado por 30 indígenas, mas que na verdade
são originários da aldeia Jaguapirú. Segundo a liderança, o grupo "agia
com tal objetivo sustentando que assim o faziam porque o dr. Marco Antônio
mandou que eles retomassem a área".
Silvano contou ainda à Polícia Civil, em setembro de 2017, que ouviu de
diversos indígenas que teria sido o mesmo procurador quem teria mandado entrar
no imóvel. Relatou ainda que no dia da ocupação houve um incêndio intencional
provocado pelo grupo da Jaguapiru e dois moradores da chácara foram feridos de
facão. "Durante todo o tempo e de forma homogênea, todos os indígenas
envolvidos na retomada afirmaram que estavam ali a mando do procurador Marco
Antônio".
Ainda em depoimento, a liderança disse que a todo o momento índios da
aldeia Bororó tentavam cessar aquela situação de conflito, e se posicionaram
contra o movimento, justamente pela violência empregada. Segundo a liderança da
Bororó, preocupado com uma tragédia que poderia ocorrer no local, tendo em vista
que o grupo invasor insistia na ocupação, ele tentou ligar várias vezes para o
celular do procurador Marco Antônio, sendo que ele não atendeu aos telefonemas
e em algumas ocasiões enviava apenas a mensagem padrão de que "não podia
atender".
Relatou ainda que a tensão entre os próprios índios e sitiantes
aumentava e ele tinha em mente que somente o procurador poderia acalmar a
situação e encerrar aquilo imediatamente. A liderança disse ainda que assim que
conseguiu falar com o procurador por telefone, no dia seguinte, chamou a
atenção dele sobre o conflito que poderia ter causado morte entre os próprios
patrícios, sendo os da Jaguapirú (do grupo da rertomada) e os da Bororó que não
apoiavam a ação.
O procurador teria dito a liderança que nada adiantaria ter conseguido
falar no dia anterior, quando ocorreu a invasão, tendo em vista que nada
poderia ter feito para encerrar o conflito. Silvano relatou que respondeu ao
procurador, que ele tinha autoridade suficiente para ter resolvido sim a
questão, tenho em vista que os indígenas atendem aos seus comandos.
A liderança da Bororó relatou ainda que por volta das 21h daquela
segunda-feira (28 de julho de 2017), quando o conflito ainda perdurava, ligou
novamente para o procurador, pedindo sua intercessão, e que ele disse que iria
ligar para algumas lideranças do movimento. Cerca de meia hora depois, dois
veículos apenas com meia luz se aproximaram e pessoas desceramn e conversaram
com os indígenas da "retomada". Na ocasião cessou-se o conflito e
todos se retiraram e foram para as casas.
No dia seguinte, segundo a liderança da Bororó, o procurador da
república foi até a Reserva e ao tratar do assunto confirmou que uma das
lideranças, conhecidas como Valdivino, iria de fato "fazer a
retomada". O procurador também teria dito que iria apurar se a liderança
da Bororó havia incitado indígenas daquela aldeia a se dirigir ao local onde
estava acontecendo o conflito entre os índios e os sitiantes, até então. Se
essa hipótese fosse comprovada ele seria preso. Disse ainda que o procurador
teria o indagado "Você não está querendo defender homem branco não, né
Silvano?".
Outra liderança que afirma o envolvimento do procurador da república nas
invasões é o indígena Iozinho Cláudio Porto. Em depoimento na delegacia, acerca
da retomada da Chácara Morada do Sol ele disse que durante o conflito entre os
próprios indígenas da Bororó e Jaguapiru, os da segunda aldeia levantavam o
tempo todo um papel que possuíam nas mãos alegando ter autorização do
procurador da república. Ele explicou ainda que foram três noites de conflito
entre os indígenas das duas aldeias, tudo porque a area estava em processo de
negociação pela União e os índios da jaguapirú não queriam esperar o processo e
resolveram entrar com a autorização do procurador. A liderança ressaltou ainda
que "a invasão ocorreu por influência direta do procurador Marco Antônio
que mandou entrar dizendo: Entra que a terra é de vocês". A liderança
contou ainda que o procurador há vários anos se envolve com a questão indígena
de toda a região e que "toda essa situação acaba gerando instabilidade
entre as comunidades indígenas, além do medo insegurança e fomenta
conflitos".
Avisar foragido
O procurador da república também é citado por avisar um foragido da
Justiça sete dias antes do mandado de prisão ser expedido pela Justiça federal.
Trata-se de Leonardo de Souza, indígena acusado de comandar o ataque a uma
equipe de três policiais da Polícia Militar, em junho de 2016. Os militares
tinham ido acompanhar o Corpo de Bombeiros em socorro às vítimas do conflito
entre índios e fazendeiros e acabaram sendo feitos reféns pelos índios.
Leonardo foi preso em dezembro do ano passado pela Força Nacional na
aldeia Tey Kuê, em Caarapó. Em interrogatório na Polícia Federal o indígena
disse que fala e compreende e língua portuguesa e que "ficou sabendo do
mandato de prisão contra a sua pessoa, através do procurador Marco Antônio,
cerca de 07 dias antes do mandato ser expedido.
Leonardo é pai do indígena que morreu durante o confronto entre
fazendeiros e indígenas em Caarapó, o que teria sido o estopim para as
agressões contra os policiais.
O Ministério Público Federal afirma que a prisão do indígena foi pedida
pelo próprio Ministério Público Federal (processo n.
0002734-76-2016.4.03.6002). "Também foi o MPF que denunciou Leonardo de
Souza por tortura e outros crimes praticados contra policiais militares em
Caarapó (0002903-29.2017.403.6002)".
No entanto a informação de que o indígena não fala português é repelida
por testemunhas ouvidas pela Polícia Federal. Entre elas um oficial de Justiça
e uma juiza. Ambos afirmaram que Leonardo de Souza era "totalmente
integrado" à comunidade e que fala e entende fluentemente o português. No
Plantão da Polícia Federal (3420 –1760) O PROGRESSO também foi informado de que
o Guarani esteve preso de 13 de dezembro de 2018 até março de 2019 e não
precisou de interprete, sendo inclusive atendido por profisssionais médicos.
MPF e PF
Os conflitos entre fazendeiros e índios, ocorridos em junho de 2016 em
Caarapó geram crise entre as instituições. Em novembro de 2017 a Justiça
Federal rejeitou denuncia do MPF contra policiais federais de Dourados que
foram acusados de ilícitos nas investigações, como prevaricação. Recentemente o
MPF recorreu da decisão. Por outro lado, a PF investiga a participação do
procurador no episódio sobre o indígena Leonardo de Souza e sobre as denúncias
de incitação a invasão de terras.
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