SOCIOLOGIA DE FORMIGUEIRO
Jacinto Flecha
Uma das minhas distrações, que infelizmente só pratico em
raras oportunidades, é observar o comportamento das formigas. Montanhas de
livros dedicam-se ao assunto, mas não me consta que a leitura deles seja
distração, por isso insisto em informar que o faço por simples distração.
Comodamente instalado numa cadeira, resolvi observar o que
aconteceria se eu obstruísse um buraco de formigueiro com a própria terra que
as formigas haviam distribuído em torno dele. Desloquei a terra até cobrir
totalmente o buraco, e fiquei observando. Em pouco mais de vinte minutos, a
ação conjugada das formigas de dentro com as de fora havia reaberto o buraco.
Sendo as formigas seres irracionais, não se pode falar em
livre iniciativa, já que não são livres para agir fora dos imperativos da
própria natureza. Mas a analogia se impõe, e a reabertura tão rápida e
eficiente do buraco pode ser vista analogicamente como vitória brilhante da
livre iniciativa.
Vitória que é habitual na sociedade humana, quando garantida
pelo direito de propriedade e calibrada pelo princípio de subsidiariedade.
Alguns exemplos vão tornar claro o assunto.
Viajando pela Fernão Dias em fase de duplicação, fui
premiado com uma daquelas paradas em que o tráfego é interrompido em ambos os
sentidos, com centenas de carros enfileirados enquanto as máquinas trabalham na
pista. Quando podem interromper o trabalho, abre-se o tráfego em um sentido,
depois no outro, e fecha-se novamente.
A espera foi de meia hora, debaixo de
sol abrasador e com o carro desligado, portanto sem ar condicionado. Logo se
manifestou a livre iniciativa: um menino empurrando um carrinho e vendendo
refrigerante gelado. Não havia quem não comprasse. Na fila do outro lado, outro
menino vendia todo o sorvete disponível.
Não me espanta que esses dois meninos se tornem grandes
negociantes. Outros da vizinhança, na mesma idade e nível social, não
perceberam aquela oportunidade. Nada os impede de progredir em outros campos,
mas os futuros empreendedores estavam ali.
Enquanto isso, socialistas de todos os matizes vociferam
contra injustiças sociais, exploração do homem pelo homem, desigualdades,
miséria, fome, sempre dispostos a meter a mão no que os empreendedores
conseguem amealhar. A finalidade seria uma quimérica distribuição entre os
excluídos (e a inclusão prioritária deles mesmos entre os excluídos...).
Talvez
o número desses socialistas venha a ser engrossado com outros meninos dali, que
nadavam ou jogavam pelada enquanto aqueles dois trabalhavam. Provavelmente
farão do socialismo um meio de vida, enquanto outros como eles talvez se
arrastem pela vida num nível social inferior.
No clima instável de São Paulo, que costuma exibir três e
até quatro estações no mesmo dia, além das transições entre elas, é sempre
prudente consultar as nuvens e outros indicadores (e ignorar sensatamente as
previsões do tempo) antes de sair à rua. Mesmo isso às vezes não funciona, e
com frequência um temporal alcança uma multidão sem guarda-chuva.
No meu caso,
já vou enfiando a mão no bolso para comprar mais um guarda-chuva, pois há aqui uma espécie de milagre: quando começa a
chover, em cada esquina aparece um vendedor de guarda-chuvas, que não estava
ali pouco antes. De onde eles surgem? Onde estava guardada a mercadoria? Uma
incógnita, mas a livre iniciativa tem recursos insuspeitados.
Divulgando esta constatação, que qualquer paulistano pode
confirmar, receio estar criando um problema para os vendedores de
guarda-chuvas. Pois não me espantaria se socialistas demagogos resolvessem
aprovar uma lei para regular a venda de guarda-chuvas, criar um sindicato dos
vendedores de guarda-chuvas, contratar fiscais apadrinhados e bem remunerados
para impedir abusos na venda de guarda-chuvas, e ainda outras dispendiosas e
prejudiciais iniciativas como essas.
E o distinto público seria mais uma vez
iludido pela propaganda oficial, com a justificativa de evitar sonegação de
impostos, coibir abusos, distribuir melhor a riqueza — as alegações habituais
de todos os políticos demagogos, sempre atentos para tirar vantagem da livre
iniciativa dos outros...
Quando os atentados de 2001 em Nova York implodiram o World
Trade Center, a comoção americana e mundial se manifestou de diversas maneiras,
e eu fiquei observando. Queria ver como funcionava aquele formigueiro
recentemente demolido.
No final de um ano, já haviam removido todos os
escombros, e o terreno estava pronto para erguer novamente os dois mastodontes
ou algo diferente. Era a livre iniciativa em pleno vigor, cabendo ao governo
central quase só a função de coordenar o trabalho (sem prejudicá-lo, bem
entendido).
A livre iniciativa, garantida pelo direito de propriedade,
funciona com eficiência para uma pessoa, um grupo, uma cidade, um estado, uma
nação. A decisão de assumir uma tarefa compete sempre ao menor desses níveis.
Organismos oficiais como prefeitura, estado, federação, só devem assumir a
solução dos problemas quando eles superam a capacidade do indivíduo, da
família, das entidades privadas. Nesses casos é necessário planejamento,
capacidade financeira maior, coordenação, cabeças pensantes e dirigentes. E
socialistas também, para... para que mesmo?
(www.jacintoflecha.blog.br)
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