Faturamento ou
Folha?
Reza a lenda que o Supremo Tribunal Federal (STF)
decidiu, na tarde de 30/3/17, pela constitucionalidade do Fundo de
Assistência ao Trabalhador rural, o Funrural.
A decisão causou
revolta nos produtores rurais em grande medida porque ninguém gosta de pagar
imposto, muito menos em um país onde não se recebe nada em troca e os
escândalos recorrentes de corrupção mostram que muito dinheiro público é
simplesmente roubado.
Mas o STF não criou um imposto novo na tarde de ontem.
O que o STF decidiu ontem foi sobre a
legalidade da arrecadação da contribuição previdenciária sobre o faturamento do
produtor rural pessoa física.
Os programas de assistência ao trabalhador rural surgiram na década de 70 com o
chamado Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorual), instituído pela
Lei Complementar nº 11/71, que previa a concessão de aposentadorias por idade,
invalidez, pensão, auxilio-funeral, serviço de saúde e serviço social.
A Constituição de 1988 modificou a estrutura do sistema previdenciário, urbano
e rural. Em 1992, a Lei nº 8.540/92 criou o Fundo de Assistência ao
Trabalhador Rural (Funrural), com o objetivo de bancar a aposentadoria dos
trabalhadores rurais. Diante da dificuldade de cobrar contribuição
previdenciária sobre a folha de produtor rural pessoa física, a cobrança de
2,1% foi estabelecida sobre o faturamento.
O Funrural é uma contribuição substitutiva da cota patronal do encargo
previdenciário (20%) mais o percentual do RAT – Riscos Ambientais do Trabalho
(3%) dos produtores rurais pessoas físicas e jurídicas e também das empresas
agroindustriais. É bom lembrar que o empregador urbano paga contribuição
previdenciária de 23% sobre a folha de pagamento. O produtor rural, desde 1992,
deveria pagar 2,1% sobre o faturamento.
Ocorre que várias ações judiciais, por razões diferentes, estabeleceram que a
cobrança do Funrural sobre faturamento era inconstitucional. O resultado dessas
decisões levaram muitos produtores, alguns amparados por decisões judicias,
outros não, a não pagar o Funrural.
Um dos resultados desse imbróglio jurídico foi que o produtor rural passou a
acreditar que não precisava pagar contribuição previdenciária. Ninguém paga
Funrural hoje em dia e isso é parte do problema previdenciário do país. Uma
parte pequena, é verdade, mas o déficit previdenciário que está matando o
futuro do Brasil deve-se em parte ao não recolhimento do Funrural.
Ou seja, o STF não inventou o Funrural. O judiciário não tem o poder de criar
imposto. O que os ministros fizeram ontem foi afastar o imbróglio jurídico que
embaçava a contribuição previdenciária do produtor rural, que foi criada por
lei aprovada no Congresso em 1992.
O resultado da decisão de ontem é que o produtor rural voltará a ter descontado
2,1% de cada nota fiscal que emitir a título de Funrural.
Isso é necessariamente ruim?
Bom, se você acha que o produtor rural não deve pagar previdência como todo
mundo, isso é muito ruim. É esse sentimento que está causando revolta no agro.
As pessoas achavam que não deviam nada e agora serão roubados pelo governo.
Ocorre que todo empregador paga a previdência dos empregados. Empregador
urbano, da industria, produtor rural pessoa jurídica, paga sobre a folha. O
produtor rural pessoa física paga sobre o faturamento.
O trade-off não é pagar ou não pagar o Funrural. O trade-off é recolher
contribuição previdenciária de 20% sobre a folha ou 2% sobre o faturamento.
Para o produtor rural que fatura muito e usa pouca mão-de-obra a decisão de
ontem foi péssima. Porém, para o produtor rural que usa muita mão-de-obra e
fatura relativamente pouco é mais vantajoso recolher sobre o faturamento.
Grosso modo, a decisão de ontem foi ruim para todos os produtores rurais
pessoa física porque ninguém se considera devedor da contribuição
previdenciária ao governo. Mas, no fundo, a decisão de ontem só é ruim para
quem tem pouco empregado e fatura muito.
E agora, José?
A decisão do STF não está em vigor. Antes, será necessário publicar o
acórdão da decisão. Depois que o acórdão for publicado, qualquer dos
intervenientes na ação julgada ontem poderá entrar com embargos de declaração
solicitando esclarecimentos do STF sobre a decisão. Isso vai retardar o
trânsito em julgado e a entrada em vigor da cobrança.
A sugestão deste blogueiro é que o setor movimente sua raiva para alterar
rapidamente a Lei que rege o Funrural, a Lei 10.256/2001, no sentido de
permitir que cada um possa fazer a opção de recolher
contribuição previdenciária sobre o faturamento ou sobre a folha.
Agora, este blogueiro entenderá, e não se surpreenderá, se a turma quiser ficar
brigando entre si.
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