Delenda est Carthago
Péricles Capanema
Pensava eu com meus botões, fosse outra a educação
secundária entre nós, “Delenda est Carthago” seria agora expressão nos lábios
de muitos. Em minha juventude, foi. Vira e mexe a ouvia para indicar que alguma
coisa encrespada deveria sempre chamar a atenção no meio de outras
preocupações. De momento, em muitas circunstâncias importantes (vou ressaltar
uma), cai como uma luva. Contudo, nunca é escrita, nunca é ouvida em conversas.
Lembro duas razões, a primeira, já não se estuda latim; a segunda, é superficial,
para dizer pouco, o estudo da História.
E assim, para alguns vou explicar. Quem já sabe tudo a
respeito, pule este e o parágrafo próximo. “Delenda est Carthago” significa
Cartago deve, precisa ser destruída. Outras fórmulas circulam, indicando no
fundo a mesma coisa. “Ceterum
censeo Carthaginem delendam esse” ou “Ceterum autem censeo Carthaginem delendam
esse”. Julgo, penso, acho que Cartago deve ser destruída. Eram afirmações
populares na Roma do século II a.C., por ocasião das guerras púnicas, como se
sabe a disputa entre Roma e Cartago, dois grandes poderes da Antiguidade. Em
suma, a existência de Cartago poderosa era o grande problema para a
continuidade de Roma como Estado soberano e livre. Todo o resto vinha depois.
Um homem
público simbolizou tal política, Catão, o Velho (234-149 a.C.). Senador, sempre
terminava seus discursos, não importava o tema, com a frase “Delenda est
Carthago” ▬ Cartago precisa ser destruída.
Vou aparentemente
dar um salto carpado triplo. Tereza Cristina, a nova ministra da Agricultura,
ecoando reivindicação dos produtores rurais reclamou: “Desmame de subsídios não
pode ser radical”. Ou por outra, é preciso desacostumar devagar o bezerro (os
produtores rurais) das tetas (o Tesouro). Se não, o bicho pode crescer franzino
ou morrer.
A ministra
reconhece implicitamente que um dia o bezerro, já novilho, vai viver do pasto,
sem crédito subsidiado e proteção alfandegária para alguns produtos. Só não diz
quando. E aqui, no longo prazo, dá razão à equipe econômica que pretende acabar
com a farra de subsídios, protecionismos e incentivos pois em casos sem conta
além de pesar no Tesouro praticamente falido e invadir o bolso do contribuinte,
estimulam a ineficiência; em suma, lesam o bem comum.
Quanto à
realidade vivida no momento pelo setor, a ministra fustigou: “Vamos quebrar a
agricultura? É esse o propósito? Tenho certeza que não é. Não pode criar um
pânico no campo”.
Ela tem
razão. É situação a ser tratada com luvas de pelica, problema que a bancada
ruralista precisaria conversar preto no branco com a equipe econômica. Todas as
preocupações são justificáveis.
Destaco a
expressão criar pânico no campo. No longo prazo, tem uma espada de Dámocles
sobre a classe rural, pior que o problema dos subsídios e do protecionismo ▬ delenda
nela. Começa com a vigência tranquila do ignóbil artigo 184 da Constituição
Federal que estatui: “Compete
à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o
imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e
justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do
valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de
sua emissão, e cuja utilização será definida em lei. § 1º As
benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. § 2º O
decreto que declarar o imóvel como de interesse social, para fins de reforma
agrária, autoriza a União a propor a ação de desapropriação”. Continua com o
alastramento do problema, que não está só na Constituição, espalha-se como a peste
negra pela legislação infraconstitucional.
Vou expor
aqui, passo a passo, o método já largamente utilizado para ir entregando partes
das terras a grupelhos fanatizados. 1º) Escolha da fazenda, verificação da
situação fiscal, tributária etc por amigos dos grupelhos; 2º) Contratação de
magotes de agitadores dirigidos pelo MST, CIMI, CPT, PT, PSOL, por vezes FETAG,
acumpliciados com pessoal do INCRA e de outros órgãos públicos (em especial com
utilização de dados técnicos, fiscais, tributários que tornam mais fácil o
esbulho). Tumulto na região escolhida, em que se localiza a terra a ser
roubada. No caso, na prática, todas essas entidades agem como organizações
criminosas acumpliciadas. 3º) O governo com base na tensão social
artificialmente criada pelo conluio de organizações criminosas expropria
(esbulha) a terra. E a enche de desocupados, arruaceiros para constituir mais
uma favela rural, intitulada assentamento, valhacouto de brigas, roubalheira,
até tráfico de drogas, sempre com baixíssima produtividade e dinheiro público
para ficar em pé..
Esse expediente,
biso, foi largamente usado pelos governos Lula e Dilma. Se vier um novo governo
de esquerda e de tonalidades mais agressivas, vai utilizá-lo sem dúvida a rodo para
desgraça do Brasil. E infelizmente temos de momento em Brasília episódios
contínuos de autodemolição, que levantam preocupações quanto ao resultado das
eleições de 2022. E poderemos então escorregar rumo à presente situação da
Venezuela.
A reforma
agrária, estou cansado de repetir, tumor de estimação nosso, só traz desgraça,
devia acabar para nunca mais ser dela se falar, mas continua viva, um disparate
sem fim destruindo o campo, afugentando investidores e empreendedores ativos,
baixando a produção, comprimindo salários. É uma praga do Egito para os pobres.
Fora o resto.
Relembro agora
o que escrevi semanas atrás e já o relaciono diretamente ao título do artigo. Allende
comunistizou o Chile com esteio na legislação existente, “os resquícios
legais”. Não precisou de legislação nova. Atenção, vou repetir: não precisou de
legislação nova. Entre nós, com base na Constituição de 1988 e em legislação infraconstitucional
vigente, o campo pode ser devastado.
Vou
dar apenas um exemplo. Um dos dispositivos mais letais para as desapropriações
delirantes do período Lula-Dilma, sempre utilizado pela dupla para cevar
grupelhos de extrema esquerda agrária foi o artigo 15, cujo teor é o seguinte:
“Art. 15. A
implantação da Reforma Agrária em terras particulares será feita em caráter
prioritário, quando se tratar de zonas críticas ou de tensão social.”
Criar zona crítica ou de tensão social é
tarefa fácil para organizações criminosas conluiadas. Acima está o método na
sua simplicidade. E aí chega o Poder Público, também no conluio e desapropria.
Ninguém nunca mais cancela a injustiça. O artigo 15 é de qual lei? Não a
indiquei ainda. É da lei nº 4504 de 30 de novembro de 1964, presidente o
marechal Castello Branco, Roberto Campos o ministro do Planejamento e Octávio
Gouveia de Bulhões na Fazenda.
Para segurança jurídica dos
próximos anos e das gerações futuras de produtores rurais, é urgente limpar a
legislação das disposições ignóbeis, facilmente utilizáveis por qualquer governo
mal-intencionado. A existência de tal arcabouço, mesmo que não pareça, é o
maior obstáculo para a segurança jurídica e a tranquilidade dos produtores agora e daqui a 50 anos; a lei de 1964 que em boa hora (para eles) caiu no colo
de Lula tem 55 anos. Este fato é pior e mais ameaçador que o fim abrupto dos
subsídios. Não se berrou contra o “entulho autoritário”, que precisava ser
varrido logo? E sobre este entulho de maldição, garantia de devastação da
agropecuária, logo que a esquerda o tenha em mãos vai pairar o silêncio sepulcral? “Delenda est Carthago”.
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