Esclarecimentos sobre o marxismo cultural
Péricles
Capanema
Ventilo hoje tema
pouco presente na imprensa diária, ainda que sobeje em publicações
especializadas. Árido para alguns, reconheço, tem enorme importância; faz parte
da agenda de movimentos que resistem com discernimento ao avanço da revolução. Afirmam
eles com razão, reagem ao que denominam marxismo cultural. E, congruentemente, denunciam
ações coordenadas em âmbito mundial visando a expansão demolidora das teses e
dos objetivos do marxismo cultural. Um motivo a mais, me tem sido pedido,
escreva sobre o marxismo cultural. Vamos a ele, poucos esclarecimentos, por
cima, o espaço é pequeno e também a paciência do leitor.
Para
o começo, lembro conceitos fundamentais, meio rebarbativos. O marxismo é
evolucionista, determinista e materialista. Pela teoria marxista, na base de
tudo está a matéria que não é inerte; move-se segundo leis internas de
substância hegeliana – em resumo, tese-antítese-síntese. Estamos em presença de
dogma delirante, mas é o materialismo dialético. Na vida dos homens, também eles
pura matéria, reflete-se tal realidade, e temos então o materialismo histórico.
Os homens evoluiriam segundo as mesmas leis – tese-antítese-síntese. Uma
situação cria outra que lhe é oposta. Do choque das duas nasce uma terceira, a
síntese que, por sua vez, transforma-se em tese. E assim vai.
Segundo o
marxismo, o determinante na história é a economia. E na economia os meios de
produção, soma de meios de trabalho e objetos de trabalho. Os meios de produção
estão na base das relações de produção. As forças produtivas e as relações de
produção dariam origem aos modos de produção. Existem sete modos de produção:
primitivo, asiático, escravagista, feudal, capitalista, socialista e comunista.
Um leva ao outro. Temos aqui a infraestrutura. A superestrutura são as ideias e
instituições (entre elas, o Estado) que justificariam e garantiriam os modos de
produção. O socialismo nasceria apenas depois de a sociedade capitalista estar
bem desenvolvida. Por sua vez, o comunismo só depois do desenvolvimento do
socialismo.
Para o momento, o
importante é o determinismo da doutrina marxista. Em doutrina, por ser
determinista, desvaloriza o ato volitivo e relativiza por inteiro o bom, o mau,
o belo, o feio, o justo e o injusto, colocados na superestrutura, dependentes
das relações de produção. Até a ação política e o proselitismo.
Na prática, os
partidos comunistas nunca agiram segundo a pura doutrina marxista. Não foram
deterministas, esperavam da ação partidária a aceleração do dia em que surgisse
o homem novo sonhado pela utopia. Aqui convém lembrar a contribuição de Lênin,
que trouxe para a doutrina um jacobinismo inexistente em Marx, o que gerou o
denominado marxismo-leninismo, presença esmagadora em todo o século 20. Muito
resumidamente, o leninismo colocou ênfase na conquista do Estado. Com o Estado
nas mãos, criar a economia nova, a sociedade nova, o homem novo.
Desde os anos 20
existiu muita discussão no interior dos movimentos comunistas sobre as
condições necessárias para se criar o homem comunista. E então, conveniência ou
inconveniência de várias táticas. Ou, por outro modo, como ir até o horizonte
utópico que os alicia, comunidades
ateias, libertárias e coletivistas (o comunismo total).
Aqui recordo Antônio
Gramsci (1891-1937) e a Escola de Frankfurt, expoentes desse, digamos,
revisionismo marxista. Gramsci pôs especial acento em obter a hegemonia na sociedade
civil antes de tentar dominar o Estado e para tal procurou indicar métodos para
agir dentro dela. Os teóricos da Escola de Frankfurt estudaram em particular fenômenos
sociais e neles apontaram características que impediam a chegada do homem
comunista. Todas essas novas teorias diminuíram a hegemonia do fato econômico, tiraram
da cena o determinismo, ou pelo menos o mitigaram bastante. O campo de estudo se
ampliou enormemente com a valorização de fenômenos da personalidade e da
sociedade humanas, interpretados com instrumental não-econômico.
Dessa forma, o marxismo
cultural traz para o centro do palco, entre outros assuntos, a arte, costumes,
hábitos, convicções, mentalidade, vida quotidiana, entretenimento, modas. Tudo
isso englobado por uma palavra, cultura. Já se pode perceber, são temas
relacionados com a revolução cultural, caminham um ao lado do outro.
É novo? Em termos.
Para muitos integrantes de correntes revolucionárias, certamente. Contudo, ao
longo da história, os partidos comunistas e as organizações afins sempre
promoveram encarniçada luta cultural. E, nesse sentido, não é novo; pode haver,
quando muito, ênfase nova em maneiras de agir.
Aliás, sugerida
pela situação de impasse num campo em que se encontram as forças
revolucionárias. As sociedades ocidentais estão se revelando reativas quanto ao
coletivismo. Não o querem, têm sensibilidade viva para a defesa da propriedade.
Contudo, são menos sensíveis para temas sociais, como família, aborto, modas, mentalidades,
costumes. Posições demolidoras, retrocessos quanto ao ideal cristão de
perfeição social, são vistos como grandes avanços. A dizer verdade, são
aproximações da utopia libertária comunista, avançam rumo a ela.
Falta alguma
coisa? Falta. Para os adversários do marxismo cultural a situação ficaria mais
bem esclarecida se fosse colocado no centro do panorama o que o professor
Plinio Corrêa de Oliveira, em visão de conjunto, chama de as três profundidades
da revolução: revolução nas tendências, nas ideias, e nos fatos. Desenvolve o
tema no livro “Revolução e Contra-Revolução”, do qual abaixo seguem extratos.
“Essa Revolução é
um processo feito de etapas, e tem sua origem última em determinadas tendências
desordenadas que lhe servem de alma e de força propulsora mais íntima. Assim,
podemos também distinguir na Revolução três profundidades, que cronologicamente
até certo ponto se interpenetram. A primeira, isto é, a mais profunda, consiste
em uma crise nas tendências. Essas tendências desordenadas, que por sua própria
natureza lutam por realizar-se, já não se conformando com toda uma ordem de
coisas que lhes é contrária, começam por modificar as mentalidades, os modos de
ser, as expressões artísticas e os costumes, sem desde logo tocar de modo
direto - habitualmente, pelo menos – nas ideias. 2. Dessas camadas profundas, a
crise passa para o terreno ideológico. [...] Inspiradas pelo desregramento das
tendências profundas, doutrinas novas eclodem. Elas procuram por vezes, de
início, um modus vivendi com as
antigas, e se exprimem de maneira a manter com estas um simulacro de harmonia
que habitualmente não tarda em se romper em luta declarada. 3. Essa transformação
das ideias estende-se, por sua vez, ao terreno dos fatos, onde passa a operar,
por meios cruentos ou incruentos, a transformação das instituições, das leis e
dos costumes, tanto na esfera religiosa quanto na sociedade temporal. É uma
terceira crise, já toda ela na ordem dos fatos. [...] Essas três profundidades
nem sempre se diferenciam nitidamente umas das outras. O grau de nitidez varia
muito de um caso concreto a outro”.
Em suma, olho nos fatos. Mas olho também nas ideias. E olho em especial nas
tendências desordenadas, alma e força propulsora dos movimentos
revolucionários. O marxismo cultural ficaria mais bem compreendido, repito, se analisado
sob a luz das três profundidades da revolução.
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